Título: Indústria já está pronta para abertura
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2005, Brasil, p. A3

A indústria brasileira, depois de enfrentar um processo tardio de abertura às importações nos anos 90, mas com ganhos importantes para a melhoria do produto, está preparada para enfrentar novas reduções tarifárias. "No geral, acho que não podemos mais usar o argumento de que temos uma indústria nascente, que precisa de proteção", diz Pedro Cavalcanti, professor da escola de pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas do Rio. As montadoras de veículos, caminhões e ônibus, por exemplo, no final dos anos 80 tinham uma proteção na alfândega de quase 80%. Hoje, a tarifa média está em torno de 38%, segundo o economista Honório Kume, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (ver gráfico acima). "A indústria automobilística, é claro, não precisa de uma proteção tarifária desse nível. Se houver uma redução, as montadoras não vão quebrar", afirma Cavalcanti. Essas empresas são poucas, multinacionais, e sua estratégia é traçada globalmente. E isso facilitaria uma acomodação a um mercado um pouco mais aberto no Brasil. O setor de calçados é mais pulverizado, mas também está pronto para uma redução tarifária, avalia Cavalcanti. A proteção alfandegária média para o setor caiu de quase 30%, em 1990, para algo próximo de 17% em média, até 1998. "Atualmente, há espaço para uma redução maior de tarifas. A indústria está preparada para enfrentar a concorrência", diz o economista Naércio Aquino de Menezes, da USP. Ele chama a atenção para a necessidade de se fazerem estudos setoriais para comparar a situação da indústria brasileira com a de outros países. Kume, do Ipea, lembra que nos últimos seis anos, de 1998 até o 2004, "na média, a tarifa de importação caiu no Brasil 1,2 ponto". Mas a proteção que o produto brasileiro tem na alfândega "não mudou muito desde 1998". As tarifas de importação são usadas pelo governo brasileiro como moeda de troca em mesas de negociação com outros países. É o que tem sido feito, por exemplo, nas conversações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), no acordo de livre comércio do Mercosul com a União Européia e na Organização Mundial do Comércio (OMC). O economista Maurício Mesquita Moreira, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), considera que a indústria brasileira, de uma maneira geral, já está suficientemente madura e competitiva para negociar o livre acesso ao mercado dos Estados Unidos, o maior do mundo. Moreira entende que o governo brasileiro insiste em trocar, grosso modo, melhores condições para exportar produtos agrícolas por reduções mais generosas nas alíquotas brasileiras de produtos industriais. "Mas não é só a agricultura que é importante no Brasil. A indústria também é". A tese de Moreira é de que ter acesso privilegiado ao mercado americano daria à indústria brasileira uma poderosa alavanca para "atingir a posição de produtor manufaturado de peso mundial." E permitiria ao produto nacional consolidar-se nos EUA em melhores condições do que o produto chinês, por exemplo. "A política externa brasileira escolheu o inimigo errado. O inimigo não é os Estados Unidos. É a China", diz. O impacto que uma nova redução da proteção alfandegária teria na indústria brasileira foi estimado, recentemente, pela Unctad (o braço da ONU para o comércio internacional). O cálculo considera cenários a partir das negociações travadas na OMC e no mais ambicioso deles o emprego no Brasil encolheria 5,2% no setor de máquinas e equipamentos; 4,3% no automotivo; 1% no de eletrônicos e de 2% em outras manufaturas. Haveria aumento de 3,2% para o setor de metais não ferrosos. (CM)