Título: Definição dos preços do gás, principal desafio de nova diretora da Petrobras
Autor: Schüffner , Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2007, Brasil, p. A2

Maria das Graças Foster assume hoje a diretoria de gás e energia da Petrobras, no lugar de Ildo Sauer, encarada pelo mercado como uma espécie de "salvação". Entenda-se: dela se espera uma solução para uma questão hoje crucial para a indústria de gás e eletricidade, que é a definição do preço do gás natural vendido para distribuidoras estaduais - a maioria sem contrato - e também para usinas termelétricas. Ela terá que continuar o processo de renegociação dos preços de gás com clientes da Petrobras, que reclamavam da nova fórmula de preços proposta pela estatal. Para isso, a nova diretora conta com uma aliada importante: a ministra-chefe da Civil, Dilma Rousseff, de quem é braço-direito.

"Maria das Graças tem uma agenda cheia para cumprir", resume o economista Adriano Pires, ex-assessor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e hoje no Centro Brasileiro de Infra-Estrutura.

Lucien Belmonte, superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro), que reúne grandes consumidores de gás, espera mais alinhamento. "A área de gás e energia da Petrobras demonstrava que não havia um alinhamento de convicções entre governo - entenda-se secretaria de gás do MME -, Petrobras e as agências. Agora, espera-se um alinhamento, pelo menos do discurso".

Adriano Pires lembra que Ildo Sauer, que homenageou a filha Luisa Jacques Sauer em sua carta de despedida, não reconhecia a obrigação da Petrobras de vender gás para térmicas sem contrato de suprimento pelo preço do extinto Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT).

Isso gerou grande desgaste. Por essa e outras questões, a estatal foi acusada de não ter gás para atender a todo o mercado por ter feito "overbooking" vendendo gás duas vezes contando com a pouca utilização do insumo para geração elétrica. Sauer sempre negou essas acusações dizendo que apenas quatro usinas fizeram contrato com a Petrobras. Mas não é o que pensa a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para quem o fato de uma térmica estar conectada ao sistema a obriga a gerar.

Nos quatro anos e oito meses em que foi diretor da Petrobras, Sauer não fez muitos amigos no mercado. A oferta insuficiente de energia hidráulica, que não tem crescido o suficiente para atender à demanda, levaram a um aumento da cota de participação da Petrobras no suprimento de energia e desgastou o relacionamento de Sauer com o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman. Troca de cartas entre Sauer, Kelman e o ex-ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, mostraram as diferentes visões sobre o assunto.

Com Dilma Rousseff, o desgaste começou logo no início do primeiro mandato de Lula, e em pelo menos uma reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) o tom se elevou. As brigas em torno do atendimento de energia para o mercado livre eram freqüentes. Mais de uma vez Sauer e o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, puseram-se em campos opostos ao de Dilma Rousseff, Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e Kelman.

Em uma discussão mais acalorada, no conselho da Petrobras, Gabrielli jogou o crachá na mesa e disse que seria melhor que o demitissem. Ganhou a discussão. Mas Dilma teria dito em várias ocasiões que Sauer não tinha capacidade de gestão.

O ex-diretor nunca negou suas críticas ao modelo elétrico desenhado pela ministra quando ela esteve à frente do MME. Em maio, ele recomendou que o presidente Lula mandasse o MME e a EPE contratarem toda a demanda de energia do país antecipadamente e com folga, resolvendo o problema dos consumidores livres, que vêem uma nuvem no horizonte sem possibilidade de contratação de energia nova, mesmo com preços mais altos.

Sauer nunca escondeu sua opinião sobre o modelo elétrico. Como está, ele acha que o país pode ter um novo apagão. E disse isso ao presidente Lula. Tanta franqueza parece ter incomodado Lula, que chegou a criticar Sauer para o senador José Sarney (PMDB-AP), dizendo que ele não poderia "desmoralizar" uma ministra na frente de outras pessoas.

Para se ter uma idéia do nível de desgaste, o ex-diretor resistiu o quanto pôde antes de assinar com a Aneel um Termo de Compromisso - fez questão de dizer que não iria assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) porque isso seria admitir uma culpa que a Petrobras não tinha - para testar a existência de gás para termelétricas. Só o fez por pressão do Planalto.

Na ocasião, Sauer explicou que um acordo verbal em Brasília suspendeu o compromisso por causa de dois pedidos do governo: atender as térmicas fluminenses durante os jogos Pan-Americanos no Rio e socorrer a Argentina. E se disse surpreso com as multas aplicadas pela Aneel como punição pelo fato de algumas usinas não terem gerado energia no período.

"Olhando o que aconteceu no setor nos últimos anos, fica claro que Dilma teve um posicionamento mais pró-Aneel e mercado e contra Petrobras, enquanto Sauer defendeu interesses da empresa na questão do preço do gás para térmicas, indo contra a Aneel. A questão agora é saber se Maria das Graças vai ceder, dando prioridade a termelétricas, relevando a questão de contrato e preço", diz Adriano Pires, que sempre teve posicionamento crítico contra a posição hegemônica da Petrobras no setor.

Politicamente, Sauer acumulou desafetos. Foi contrário à manutenção do contrato de suprimento de gás com a Ceará Steel, e se desgastou com o deputado federal Ciro Gomes e com a senadora Patrícia Saboya, ambos do PSB. Recentemente "atropelou" a Cemig quando a geradora mineira negociava a compra da térmica Juiz de Fora, da Cataguazes Leopoldina.

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), levou o problema a Gabrielli e ouviu de Sauer que a intenção da companhia era comprar a termelétrica para desfazer o contrato de gás, que é do PPT e por isso muito barato (US$ 3,70). Depois, poderia vendê-la para a Cemig. Mas a mineira acha que sem o contrato a usina perde atratividade. Também hoje José Eduardo Dutra assume a presidência da Petrobras Distribuidora.