Título: Juro e preço sustentam alta do investimento
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2007, Brasil, p. A4

A queda dos juros reais e o barateamento do custo de se investir no país impulsionaram a forte alta da formação bruta de capital fixo (FBCF, que mede o que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos) a partir do fim de 2005. Nos quatro trimestres terminados em junho, a FCBF aumentou 9,8% em relação aos quatro trimestres anteriores, devendo fechar 2007 com crescimento superior a dois dígitos.

Como os cortes recentes dos juros promovidos pelo Banco Central (BC) deverão impactar a atividade econômica nos próximos meses, a expectativa dos analistas é que o investimento produtivo continue a exibir bom desempenho no fim de 2007 e no começo de 2008 - até porque as taxas reais (descontada a inflação) estão em níveis baixos para padrões brasileiros. Há quem acredite, porém, que uma eventual interrupção da trajetória de queda da taxa Selic pode arrefecer o ímpeto da FBCF, cujo aumento expressivo é fundamental para garantir a expansão da capacidade produtiva das empresas brasileiras. Na ata do encontro realizado no começo do mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) indicou que pode parar de reduzir a Selic já no encontro de outubro.

Depois de crescer com força em 2004, o investimento patinou ao longo do ano seguinte. A formação bruta de capital fixo reagiu a partir do primeiro trimestre de 2006, em boa parte devido ao começo do processo de queda da Selic, iniciado em setembro de 2005. Os juros reais, medidos pela comparação da Selic com a inflação projetada pelos próximos 12 meses, caíram de 14,2% no terceiro trimestre de 2005 para 8,5% no segundo trimestre deste ano.

O economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, diz que o comportamento dos juros e o custo do investimento têm sido decisivos para a alta firme da FBCF. Segundo suas estimativas, a queda no preço relativo do investimento tem impacto mais importante sobre a FBCF no curto prazo, entendido como um período de seis a nove meses, enquanto o efeito da redução dos juros reais é mais intenso em intervalos de tempo maiores do que esse. "Isso não quer dizer que o preço não influencie no longo prazo e a redução dos juros não tenha importância no curto", diz.

No acumulado dos 12 meses até junho, a evolução dos preços de máquinas e equipamentos e de insumos da construção foi 1,7% menor que a do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), segundo cálculos de Borges. O movimento, diz ele, se deve em boa parte à valorização do câmbio, que torna mais baratos os bens de capital. Como são bens comercializáveis internacionalmente, mesmo os preços dos que são produzidos no país tendem a se tornar mais acessíveis. Em setembro de 2005, o dólar estava na casa de R$ 2,30. Ontem, fechou em R$ 1,882.

O economista Genílson Santana, da MCM Consultores Associados, destaca a importância da queda dos juros reais para a expansão do investimento, para ele um fator mais importante do que o barateamento relativo de máquinas e equipamentos e insumos da construção. Uma taxa de juros nos níveis atuais, diz ele, torna atraentes projetos que eram simplesmente inviáveis com juros mais altos, na casa de 13% a 14%.

O juro real é ainda menor se for comparada a taxa privada de um ano com a inflação projetada para os próximos 12 meses. No segundo trimestre, ficou em 7,4%, muito abaixo dos 12,7% registrados no terceiro trimestre de 2005. O comportamento do juro privado é importante porque é essa taxa que tem mais influência sobre o custo de financiamentos e empréstimos.

Daqui para a frente, os juros e o preço relativo do investimento devem cair menos do que nos últimos dois anos. O ponto é que o BC já indicou que deve interromper em breve o ciclo de queda da Selic, e o espaço para a valorização do câmbio também é mais modesto.

Os analistas divergem quanto ao efeito que uma interrupção dos cortes dos juros teria sobre o investimento. Borges acha que a medida poderia levar a arrefecimento da alta da FBCF, o que poderia ser "contraprodutivo" para as intenções do BC de tentar equilibrar a oferta e a demanda. O ponto, diz ele, é que o fim do ciclo de queda da Selic poderia afetar mais o investimento, que leva à ampliação da capacidade de oferta, do que o consumo, que poderia continuar a crescer com força devido ao impulso do crédito. Borges prevê alta da FBCF de 10,6% neste ano e de 9,8% no ano que vem, mas suas projeções levam em conta uma Selic de 10,75% no fim deste ano e de 9,5% no fim de 2008. Se os juros caírem menos, a alta do investimento pode ser um pouco menor do que a projetada, principalmente em 2008, adverte ele.

Santana tem uma visão mais otimista. Mesmo se os juros pararem de cair, eles ficarão num nível baixo para padrões brasileiros, ainda que estejam elevados em termos internacionais. Além disso, lembra ele, os cortes mais recentes dos juros ainda não surtiram efeito sobre a economia, uma vez que há uma defasagem entre ações de política monetária e seu impacto sobre a atividade. Santana estima uma expansão do investimento produtivo de 11% neste ano e de 9,5% em 2008.

O economista Caio Megale, da Mauá Investimentos, considera normal uma eventual acomodação da taxa de crescimento da FBCF num nível um pouco inferior ao atual, uma vez que a base de comparação daqui para frente é bem mais alta. Este é o segundo ano seguido de avanço firme do indicador - em 2006, a alta foi de 8,7%. Megale destaca que, além dos juros e do preço relativo do investimento, a FBCF depende de outros fatores, como o horizonte de previsibilidade na economia e o fluxo de investimentos estrangeiros diretos. Com a solidez das contas externas e a queda da inflação para a casa de 4%, tornou-se bem mais previsível tomar decisões de longo prazo no Brasil, o que também ajuda a explicar o crescimento forte da FBCF em 2006 e 2007.