Título: A proposta de política de resíduos sólidos
Autor: Pastor , Thiago
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2007, Legislação & Tributos, p. E2

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou no dia 6 de setembro, em um ato solene no Palácio do Planalto, a mensagem de encaminhamento ao Congresso Nacional do projeto de lei que estabelece a política nacional de resíduos sólidos. Embora o tema seja discutido há vários anos no parlamento, o Executivo resolveu dar um novo impulso à aprovação do marco legal.

A proposta - o Projeto de Lei nº 1.991, de 2007 -, calcada em conceitos modernos, trata de um tema polêmico e que há muito tempo carece de um real e efetivo tratamento jurídico para legitimar as ações de controle, gerenciamento e disposição de resíduos sólidos, vistos como um dos principais fatores de impacto negativo ao meio ambiente. Ressalte-se que até o presente momento o assunto é regulamentado de forma temerária, esparsa e ineficaz por simples regulamentos administrativos, tais como as resoluções editadas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Analisando as diretrizes estabelecidas, nota-se a grande abrangência e alcance da proposta, que visa, de fato, amarrar todas as pontas e definir as responsabilidades de todos os envolvidos no fluxo dos resíduos sólidos. Cabe-nos, nesta oportunidade, traçar breves considerações sobre os principais reflexos para cada interessado - poder público, consumidores e fornecedores.

O texto consagra a competência do Distrito Federal e dos municípios para a gestão dos resíduos sólidos, condicionando o acesso a recursos da União para a efetivação de tal mister à elaboração dos planos de gestão integrada de resíduos. Este instrumento determina a cada município um diagnóstico e controle completo sobre os rejeitos, sobretudo para garantir uma rede de coleta para reutilização (integrando as associações de catadores) e disposição ambientalmente correta. Para tanto, abre a possibilidade de benefícios fiscais e tributários, fontes de fomento e concessão de crédito a iniciativas desenvolvidas para gestão dos materiais.

Outro grande avanço se percebe pela possibilidade de soluções consorciadas ou arranjos integrados entre os municípios, que poderão lançar mão de consórcios públicos ou parcerias público-privadas (PPPs) na prestação dos serviços de limpeza pública, coleta e tratamento. A formação de aterros controlados intermunicipais com o aproveitamento econômico de suas potencialidades (aproveitamento de lixo orgânico, reciclagem de produtos, geração de biogás, certificação de redução de emissões atmosféricas) poderá ser uma das atividades beneficiadas dentro dessa nova política ambiental.

Sem dúvida, a nova proposta volta as maiores responsabilidades e ações para os geradores de resíduos ao abraçar expressamente os conceitos de logística reversa e responsabilização pós-consumo. Estes princípios demandam do gerador do resíduo seu comprometimento com a destinação final dos produtos, mesmo após o uso pelo consumidor, responsabilizando-se pelo retorno dos materiais para seu reaproveitamento no ciclo produtivo da empresa. Assim, teremos uma reorientação do setor produtivo com o incremento de técnicas e meios de capacitação para redução, reutilização e reciclagem dos rejeitos.

-------------------------------------------------------------------------------- A proposta é uma salutar contribuição para o almejado desenvolvimento sustentável do país --------------------------------------------------------------------------------

O segmento industrial, como principal gerador de rejeitos - alumínio, plástico, embalagens, recipientes, garrafas PET, papel, papelão, vidro etc. -, deve ficar atento, pois, passará a ser responsabilizado solidariamente pelos danos decorrentes do lançamento e disposição inadequada dos resíduos por terceiros - consumidores, revendedores, comerciantes e distribuidores. Vale lembrar que, por configurar um dano ambiental, também se aplicará a responsabilidade objetiva, sendo irrelevante a análise de sua culpabilidade para a imposição da obrigação de reparar/indenizar o prejuízo.

Ainda para um maior controle dos geradores de resíduos (industriais, serviços de saúde, rurais, especiais e diferenciados), a proposta institui o plano de atuação para os resíduos sólidos, a cargo de cada empreendedor. O documento - na prática um aperfeiçoamento do atual plano de gerenciamento de resíduos sólidos - será parte integrante do procedimento de licenciamento ambiental e deverá ser elaborado por um profissional técnico devidamente qualificado.

O projeto também imputa responsabilidade aos geradores de resíduos sólidos urbanos (lixo residencial, doméstico, de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços) pela disponibilização adequada de seus resíduos para coleta pública. Segue, assim, o preceito constitucional de que a coletividade também tem o dever de preservar o meio ambiente, respondendo o particular pelos seus atos danosos.

O texto ainda veda a importação de resíduos sólidos cujas características possam trazer danos potenciais ao meio ambiente e à saúde pública - todavia, confere a um regulamento posterior a definição dos rejeitos que não se enquadram na vedação. Por meio deste dispositivo, o governo federal pretende legitimar a restrição à importação de pneus usados e recauchutados.

A nova proposta nos parece uma salutar contribuição para o almejado desenvolvimento sustentável do país, sobretudo por consagrar o aproveitamento econômico dos resíduos e estabelecer um maior controle sobre as fontes poluidoras. Necessário asseverar que os freqüentes deslizes notados na redação da proposta (o que demandaria um artigo específico) deverão ser retificados ao longo do processo legislativo para uma adequada normatização e coerente interpretação jurídica, não prejudicando a aplicabilidade do direito. Veremos como caminhará o legislador.

Thiago Pastor é advogado especialista em direito ambiental do escritório Décio Freire e Associados

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