Título: Turismo climático surge na esteira do efeito estufa
Autor: Naik, Gautam
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2007, Empresas, p. B4

Turistas diante de um imenso fiorde de gelo na Groenlândia. O glaciar está se despedaçando em enormes icebergs James Brusslan é um advogado especializado em meio ambiente que se preocupa com o efeito estufa. Ele vai de bicicleta ao escritório e trabalha num escritório de advocacia em Chicago que compra créditos de carbono para compensar suas emissões de gases do efeito estufa. Ele cola nos utilitários esportivos dos amigos adesivos que dizem: "Estou mudando o clima do planeta! Pergunte-me como!"

Para conferir tais mudanças em primeira mão, Brusslan, de 50 anos, gastou recentemente US$ 2,8 mil numa viagem de uma semana para acampar aqui, cerca de 320 km ao norte do Círculo Polar Ártico. "Eu queria ver o que está acontecendo", disse ele, enquanto admirava um fiorde onde uma geleira despedaçava-se em icebergs. "Em dez anos, provavelmente ela terá desaparecido." Agora ele quer ver as geleiras derretidas em Sichuan, na China.

O efeito estufa criou um novo nicho no negócio crescente do turismo ambiental: os turistas climáticos. Esses visitantes buscam lugares onde uma tendência de longo prazo rumo ao aquecimento começa a ter um impacto mais evidente. Mas algumas pessoas dizem que há uma grande ironia nesse tipo de viagem: qualquer itinerário via trem, avião ou navio de cruzeiro lança dióxido de carbono na atmosfera e pode contribuir para o efeito estufa.

"Qual é o sentido de fazer uma viagem para as Ilhas Maldivas se no fim das contas ela será inundada (porque as emissões dos jatos dos turistas ecológicos contribuem para o aquecimento global e elevação do nível dos oceanos)?", indaga Jeff Gazzard, da Aviation Environmental Federation, um grupo britânico que tenta diminuir as emissões de gases do efeito estufa provenientes dos aviões. As Maldivas, um arquipélago no Oceano Índico, estão um metro acima do nível do mar e correm riscos se o aquecimento elevar o nível do oceano.

Mais de 1,5 milhão de turistas visitam o Ártico por ano, ante 1 milhão no início dos anos 90, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Os verões mais longos e quentes deixam as águas do Ártico com menos geleiras, de modo que navios de cruzeiro podem visitar lugares que antes eram inacessíveis - o que aumenta outras preocupações com o meio ambiente.

Alguns turistas visitam o arquipélago norueguês de Svalbard, no Ártico, na esperança de ver as novas ilhas que surgiram com a retração das geleiras. "É só um monte de pedra", diz jocosamente Rune Bergström, chefe do Departamento do Meio Ambiente no gabinete do governador de Svalbard. Mas isso não impediu que o número anual de visitantes em Svalbard aumentasse 33% nos últimos cinco anos, para cerca de 80 mil. Cerca de metade chega em navios de cruzeiro. Com tantos passageiros visitando as ilhas, a vegetação frágil em algumas delas foi prejudicada. Aumentou o risco de um derramamento de petróleo; uma nova lei exige que os navios na parte leste das ilhas use óleo diesel marítimo, com menos enxofre do que o tradicional.

A vida selvagem local está ameaçada, e não apenas pela mudança do clima. "Regiões com ursos polares eram de difícil acesso, mas os barcos agora podem entrar lá porque o gelo derreteu", diz Bergström. "O número de conflitos entre ursos e pessoas pode aumentar."

Mesmo assim, o efeito estufa pode ser uma estratégia de vendas bem persuasiva. Este mês, a Betchart Expeditions Inc., de Cupertino, no Estado americano da Califórnia, oferece uma viagem de 12 dias a uma ilha em "derretimento" perto da Groenlândia. O gelo liqüefeito revelou uma ilha que há muito tempo foi enterrada, "uma pista convincente sobre a velocidade do aquecimento global", diz o site da Betchart. O preço: entre US$ 5 mil e US$ 7 mil, sem incluir o trecho aéreo. Até agora, 38 pessoas fizeram reserva.

A Earthwatch Institute, uma ong em Maynard, Massachusetts, realiza viagens que permitem às pessoas ajudar cientistas a estudar recifes de coral nas Bahamas e os efeitos da mudança do clima sobre as orquídeas na Índia. Seu pacote de viagem de 11 dias, chamado "Mudança Climática na Beira do Ártico", custa entre US$ 2.849 e US$ 4.349, sem incluir o trecho aéreo - e envolve idas a Manitoba, no Canadá, para monitorar o índice de carbono nas geleiras permanentes, ou permifrost.

Embora dificilmente sejam os maiores responsáveis pelo efeito estufa, os turistas interessados em mudanças climáticas reconhecem o dilema. "Eu tenho curiosidade em relação a esses lugares, mas vir aqui vê-los causa tantos danos", diz Anne Patrick, professora numa escola em Massachusetts que visitou a Antártica e a Groenlândia. "Como é que se entende isso? Eu não tenho a resposta", acrescenta.