Título: Criança feliz, feliz a poupar
Autor: Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2007, EU & Investimento, p. D1

Há um ano, Carlos Paglione Bonadio Vereda começou a investir em um clube de ações. Com esse dinheiro, ele poderá bancar uma viagem ao exterior, uma faculdade ou montar o próprio negócio. Carlinhos, como é conhecido, poderá aprender também o valor real do dinheiro e se conscientizar sobre a necessidade de poupar mensalmente. Na conta dele são depositados R$ 50 todos os meses.

O mais interessante é que Carlinhos tem pouco mais de um ano. Seu pai, o economista Arthur Vereda da Silva, decidiu aplicar no clube para crianças Vida Feliz, da Corretora Spinelli, em julho do ano passado, dois meses antes de Carlinhos nascer e menos de três meses antes de tirar o CPF do filho.

O bebê Vereda não é um caso atípico. São crescentes as aplicações financeiras voltadas para o público infantil e jovem. O apetite de pais e demais parentes para aplicar, principalmente em ações, consiste na confiança em um bom resultado das aplicações no longo prazo e nas vantagens tributárias desses investimentos - principalmente em planos de previdência. Os PGBLs e VGBLs oferecem condições para que os aplicadores paguem apenas 10% de IR em aplicações acima de dez anos, prazo razoável para crianças.

Os números projetados impressionam qualquer um. Segundo simulação da Mongeral, investindo-se R$ 100 em um plano de previdência do dia do nascimento até os 18 anos, o então jovem terá uma reserva estimada de R$ 56.775,20, se considerada uma rentabilidade de 10% ao ano e debitada uma taxa de carregamento de 1,5%. O juro estimado é elevado, mas as variações estão sempre na casa das dezenas de milhares.

Além da vantagem financeira e o dinheiro no bolso para quando o filho estiver na adolescência ou juventude, alguns pais procuram aplicações para instigar as crianças a aprender noções básicas financeiras. "Quero semear algo bom para o futuro dos meus filhos", diz o empresário Luis Alberto Biroli. Ele confessa que, até o ano passado, tinha um medo "lascado" de investir, principalmente em bolsa, mas ele e sua esposa Cristina aplicaram em ações para seus filhos Ana Carolina, de 9 anos, Gabriel, 7, e Luigi, 4. "Mudei minha visão de risco para olhar principalmente para a possibilidade de ganho futuro."

A relação das crianças com o dinheiro é fundamental para o sucesso da aplicação, diz Cássia D'Aquino, especialista em educação financeira. As intenções originais de se aplicar para os filhos são belas, mas os pais devem ter cuidados sobre como as crianças entendem o investimento, diz ela. Os pais podem colocar uma ênfase excessiva na aplicação ou exagerar o nível do esforço financeiro e, por fim, imputar a eles uma culpa ou uma preocupação que pode ser negativa para a criança, diz ela. "O filho tem de se sentir agradecido, mas não culpado pelo esforço dos pais." Além disso, é preciso cuidado para não ofuscar a motivação dos filhos ao trabalho, que pode ser comprometida se ele tiver todo o dinheiro necessário quando se tornar um adulto, diz Cássia. "Trabalho de pai é fazer o passarinho voar atrás de comida, e não lhe dar tudo na boca sempre."

Biroli diz que suas crianças recebem as informações do clube de ações em que investem e que faz questão de dizer a elas que têm esse dinheiro reservado. "Eles poderão gastar com a faculdade ou quando casarem", diz. Cássia comenta que é importante para os pais não sonharem com um objetivo específico para o dinheiro, como determinada faculdade, por exemplo, porque a decisão será do adulto em que a criança se tornar. "Há quem fique frustrado por poupar para uma universidade e o filho vai viver de surfe na Austrália", diz ela. "A decisão tem de ser do filho, senão será um compromisso para ambos, que não será saudável."

É sempre interessante que pais providenciem algum tipo de investimento para os filhos, mas o caráter educativo vai depender da maneira como os pais aproximam isso da criança, diz Cássia. "Há pais que exageram na aplicação, colocando mais do que deviam, e depois acabam colocando culpa na criança sobre algum mau resultado financeiro." Não há motivo para criar uma preocupação ou uma angústia que não correspondam ao ambiente sadio da criança, alerta. "O investimento não pode virar uma obsessão", diz a especialista. "Dinheiro não tem de ser colocado na frente de tudo", acrescenta.

Vereda, o pai, diz que acha importante criar o sentimento de responsabilidade financeira no filho de um ano. O economista, que também investe em ações e em previdência privada, quer mostrar a Carlinhos o valor do dinheiro e educá-lo a poupar por meio da aplicação em ações. "Mas vou até o momento em que ele ganhar consciência sobre os recursos e tiver a capacidade de tomar suas próprias decisões."