Título: Argentinos e chilenos dominam ranking dos importados
Autor: Lucki , Jorge
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2007, EU & Praseres, p. D6

O consumidor de vinhos no Brasil se rendeu nos últimos anos às virtudes dos tintos e brancos chilenos e argentinos, fazendo com que os dois países liderassem com folga o ranking de importados por aqui, com uma participação que beira atualmente os 60%. É bem verdade que esse avanço foi facilitado pela alta de preços dos rótulos procedentes do Velho Mundo, em particular quando da adoção do euro por todos os membros da União Européia - além da valorização da moeda frente ao dólar os produtores europeus aproveitaram o momento para inflacionar sua lista -, mas é inegável que os andinos deram um grande salto qualitativo na última década.

O fato de Chile e Argentina dominarem o cenário vinícola brasileiro induz naturalmente a comparações na tentativa de eleger qual deles produz os melhores vinhos. Na realidade, embora sejam vizinhos os dois países têm diferenças marcantes de geografia, clima e solo, o que acarreta vinhos com características próprias e distintas. Uma das principais causas dessas diferenças é a Cordilheira dos Andes que bloqueia a influência do Oceano Pacífico nos vinhedos argentinos, enquanto do lado chileno ela é fator determinante no estilo de tintos e brancos.

Se, diante do que foi exposto, em termos absolutos é inviável afirmar qual país está na frente, nada impede que se prove uma gama representativa do melhor que cada um produz hoje em dia e se estabeleça uma classificação individual deles. É o que foi realizado no hotel Park Hyatt Hotel de Mendoza na semana passada, onde foram reunidos 105 vinhos que estão atualmente sendo comercializados, metade de cada país, selecionados entre os mais bem pontuados pelos críticos Fabricio Portelli, argentino, e Patricio Tapia e Hector Riquelme, chilenos. Os três críticos e eu degustamos as garrafas totalmente às cegas, sem divisão por país, safra ou casta, durante três dias.

Seguindo um formato acordado previamente, o grupo avaliava as amostras individualmente e a cada cinco vinhos discutia as notas e os critérios adotados, o que elimina possíveis falhas de interpretação, permitindo, por consenso, chegar a um resultado mais coerente e justo. É, a propósito, e como já me referi anteriormente, o procedimento adotado no Japan Wine Challenge e no Decanter World Wine Awards, dois concursos com credibilidade, algo raro entre as tantas competições espalhadas mundo afora.

O objetivo dessa pequena, agradável e complicada maratona foi classificar, pela pontuação alcançada, os 50 melhores vinhos do Descorchados América do Sul, guia que deverá ser lançado em novembro próximo em duas versões, espanhol, para todos os países latino-americanos, e português, para o Brasil. A edição contará ainda com 485 rótulos argentinos e 572 chilenos, distribuídos por categoria.

Como cabe numa degustação às cegas, com vinhos de primeiro nível e tão diferenciados, há várias surpresas, algumas agradáveis - boas novidades e rótulos até certo ponto subestimados. Outras surpresas, nem tanto - basicamente nomes consagrados que não confirmaram toda sua fama.

A lista, em todo caso, começa com um tinto de primeira grandeza, o Nicolas Catena Malbec, top de linha do produtor que iniciou o processo de modernização da vitivinicultura argentina. Sem deixar por menos, a vinícola teve outro vinho entre os 10 primeiros, o Adrianna Single Vineyard, elaborado a partir de um vinhedo situado em Gualtallary, em Tupungato, a 1440 metros de altitude.

Tudo isso demonstra que Catena não ficou só no pioneirismo. Ela continua evoluindo, em especial com a entrada em 2000 de uma equipe jovem e arrojada, supervisionada por Pepe Galante, um dos enólogos responsáveis pela vinícola desde seu começo na segunda metade da década de 80.

Ainda do lado argentino, vale ressaltar o Riglos Gran Malbec, chegando com todo alarde em sua primeira colheita. Não apareceu, no entanto, do nada: um dos donos é Dario Werthein, cujo pai era dono da Finca Flichman, vendida ao grupo português Sogrape em 1988. O Riglos é moldado a partir de vinhedos próprios, também situados em Gualtallary e conta com a consultoria do renomado enólogo americano Paul Hobbs.

O Chile, se não ficou com a primeira colocação, teve mais vinhos entre os 50 classificados, 31 contra 19. Entre eles, alguns rótulos bastante conhecidos e que não decepcionaram, caso do Clos Apalta (a venda na Mistral) e do Antiyal (Casa do Porto). O "azarão" foi o Albis, na realidade um vinho com pedigree. Ele é fruto da decisiva participação da celebrada Casa Antinori, da Toscana, na vinícola Haras de Pirque, cujo vôo solo não decolou como seu poderoso proprietário (família Matte) imaginava.

Se nos tintos não se pode apontar vencedor, no que diz respeito a brancos o Chile leva fácil; seis deles conseguiram se colocar no grupo dos 50, um Chardonnay e cinco Sauvignon Blanc, demonstrando toda a vocação que as regiões de Casablanca e San Antonio (Leyda faz parte) têm para o gênero. Todos eles se destacaram principalmente pela elegância e mineralidade, atributos pouco comuns em vinhos brancos do Novo Mundo. Cabe, inclusive, uma menção especial ao De Martino, este de Limari, região vinícola mais ao norte do Chile, que passaria tranquilamente por um bom Borgonha.

Esta lista sai aqui em primeira mão e tem o intuito de contribuir para que o consumidor brasileiro se sinta mais seguro na hora de escolher um vinho argentino ou chileno, entre os muitos que existem em nossas prateleiras. O guia a ser lançado em novembro traz ainda mais informações.

colaborador-jorge.lucki@valor.com.br