Título: Para Fazenda, gastos estão estáveis
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2007, Brasil, p. A3

O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, reuniu dados que contestam a versão de que o governo promove uma gastança e compromete o crescimento futuro da economia. "Às vezes a discussão é ideológica, e não técnica", afirma. Segundo ele, os gastos no governo Lula se mantiveram estáveis, inclusive as despesas com pessoal. O que aumentou, diz, são as transferências às famílias, incluindo benefícios previdenciários. O dinheiro sai da mão de entes privados e é entregue também a entes privados, puxando o consumo e os investimentos.

Em 2002, segundo dados do Tesouro, os gastos primários, excluindo transferências, representavam 9,28% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa despesa caiu discretamente nos anos seguintes, chegando a 9,19% do PIB nos 12 meses encerrados em agosto de 2007. No mesmo período, a despesa com o funcionalismo recuou de 4,81% para 4,63% do PIB.

O que de fato aumentou, argumenta o secretário, são as transferências. Os dados do Tesouro mostram que os pagamentos da Previdência cresceram de 6,43% para 8,38% do PIB. Nesse percentual não está incluída a Bolsa Família porque as estatísticas oficiais não permitem apartá-la. Mas dados preliminares do Tesouro indicam que a despesa equivaleu a 0,33% do PIB nos 12 meses encerrados em agosto.

Nas últimas semanas, intensificaram-se as críticas à política fiscal, em um momento em que o governo procura aprovar no Congresso a prorrogação da CPMF. A sensação de descontrole fiscal é intensificada porque o Banco Central acena com uma interrupção na queda dos juros, apontando que existem fortes estímulos à demanda agregada, entre os quais os gastos públicos. A política fiscal também é responsabilizada por intensificar a valorização cambial.

Por trás das críticas está a intuição econômica de que expansão fiscal estimula o consumo, tanto do governo quanto das famílias, prejudicando a poupança e o investimento. "Não há uma bolha consumista", diz Barbosa. "Os investimentos estão aumentando." Faz uma grande diferença, sustenta, o fato de que as despesas correntes do governo cresceram apenas nas transferências.

As transferências, diz, produzem duas forças antagônicas sobre o investimento. Uma delas, lembrada pelos críticos da política fiscal, é a retirada de renda da parcela da população com maior propensão a poupar e o aumento de renda de quem é mais propenso a consumir. Mas o aumento do consumo dos mais pobres, afirma, estimula vendas, a produção, a utilização da capacidade instalada e os investimentos. "Qual é o efeito líquido dessas duas coisas?", pergunta. "Até agora, o crescimento do investimento é claramente preponderante", diz Barbosa.

Outra crítica comum é que os programas de transferência não são bancados com novos impostos, mas por ganhos de arrecadação gerados pelo crescimento econômico. Um grave problema fiscal iria aparecer quando houver uma virada no ciclo econômico e a arrecadação cair. "Ainda não dá para saber quanto desse aumento de arrecadação é cíclico", afirma Barbosa. "Há também um componente estrutural, decorrente da maior formalização na economia, da fiscalização da Receita e dos programas de simplificação tributária."

Barbosa reconhece que a a carga tributária aumentou. A receita líquida, descontando repasses a Estados e municípios, passou de 17,86% para 19,68% do PIB entre 2002 e agosto de 2007. Para alguns economistas, o aumento da carga tributária, por si só, atrapalha o crescimento, porque o gasto público é menos eficiente que o privado. "O aumento da carga tributária não diz tudo", afirma.

Para o secretário, o setor publico gasta com eficiência quando realiza tarefas típicas de governo, como redistribuir renda, gastar em educação e saúde, realizar investimentos públicos e contratar funcionário para as atividades de planejamento e de regulação.

Alguns economistas têm alertado que, mais recentemente, o gasto público cresce aceleradamente. Os dados comprovam isso. Nos primeiros anos do governo, foi feito um severo ajuste fiscal, que fez, por exemplo, a despesa com o funcionalismo cair de 4,81% para 4,29% do PIB, entre 2002 e 2005. Mas em 2006 essa despesa avançou para 4,54% do PIB.

Barbosa argumenta que o governo colocou suas políticas públicas em prática. "Qual é o tamanho ideal do Estado?", pergunta. "Isso é o eleitor quem diz. Se quer ter um Estado com transferência de renda, com mais saúde e educação, tudo isso tem um custo. Optamos por investir no bem-estar social."

Ele pondera que já foi feito o que tinha que ser feito. Segundo ele, o poder de compra do salário mínimo foi recomposto e o governo já investiu no reaparelhamento da máquina, com reajuste de salários e contratações. Daqui por diante, afirma, as preocupações se voltam também para a sustentabilidade fiscal, tanto que o governo incluiu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) regras que disciplinam reajustes do salário mínimo e o gasto com pessoal.

Para o secretário, há na praça basicamente quatro visões sobre como lidar com o crescimento da despesa fiscal. Uma delas defende que o governo não deve se importar com isso. "Não tem o menor cabimento", diz Barbosa. Outra visão é que o governo deve lidar o mais rápido possível com a questão, cortando impostos para obrigar a redução de gastos. "Essa visão se esquece que, no meio, tem uma crise", afirma. Um terceiro grupo advoga um corte profundo de gastos públicos, para então reduzir impostos. "Essa alternativa significaria desmontar o Estado de bem-estar que construímos", afirma. A escolha do governo, explica, é pelo gradualismo. "É um ajuste com crescimento", diz Barbosa.

A expansão fiscal tem sido responsabilizada ainda por impulsionar a demanda e criar constrangimentos a cortes de juros. Barbosa reconhece que, de fato, as transferências representaram impulsos. Mas pondera que daqui por diante serão menores.

O secretário também discorda que a política fiscal tenha contribuído para a apreciação do câmbio (para ele, o fator mais importante são os juros elevados). Os críticos invocam o chamado efeito Balassa-Samuelson, segundo o qual os gastos fiscais aumentam a demanda por bens não transacionáveis, como os serviços, puxando seus preços em relação aos artigos transacionáveis, como bens de consumo. O resultado disso é a apreciação do câmbio. Barbosa diz que a valorização dos bens não transacionáveis é própria do desenvolvimento econômico, que foi puxado no Brasil pelos programas de transferência de renda. "Não dá para abrir mão do desenvolvimento."