Título: Renan afasta assessor, mas oposição entra com nova representação
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2007, Política, p. A11

Os dois maiores partidos de oposição, PSDB e DEM, protocolaram ontem na Mesa Diretora do Senado a quinta representação por quebra de decoro contra o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), cuja permanência no cargo está cada vez mais insustentável. Na sessão de ontem, sua falta de autoridade ficou patente em bate-bocas com Aloizio Mercadante (PT-SP) e Demóstenes Torres (DEM-GO).

Dessa vez, o motivo da nova representação é a denúncia da revista "Veja" de suposta espionagem contra os senadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Demóstenes Torres (DEM-GO) por parte do ex-senador Francisco Escórcio, assessor da Presidência do Senado, que teria agido a serviço do presidente da Casa. Renan subiu à tribuna e negou tudo. Anunciou abertura de sindicância para investigar a denúncia de arapongagem e o afastamento temporário de Escórcio.

Não satisfez o plenário lotado. Ouviu pedidos de exoneração sumária do assessor e reiterados apelos para que ele próprio deixe o cargo. Não foi defendido por ninguém. A surpresa foi a veemência de petistas, como a líder Ideli Salvatti (SC). Ex-defensora da preservação do mandato de Renan, Ideli afirmou que "há um sentimento crescente" de que o afastamento do pemedebista do cargo é importante "para o melhor andamento dos trabalhos".

Segundo Ideli, essa não é posição da bancada, por se tratar de questão pessoal e não partidária. Afirmou que a prerrogativa de pedir licença é de Renan, mas desabafou: "Tudo está muito difícil. Todos nós estamos na iminência de pedir licença, dada a gravidade da situação".

Aliados mais próximos de Renan, como os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo, aumentaram a carga para tentar convencê-lo a pedir licença. Ambos argumentam que o isolamento político é cada vez maior e que ele não seria absolvido em novo julgamento no plenário. Em 12 de setembro, na votação da primeira representação, ele foi absolvido por 40 votos contra a cassação, 35 a favor e seis abstenções.

O PMDB está em crise depois que o líder, Valdir Raupp (RO), foi forçado a destituir Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS) da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Vários pemedebistas protestaram e partiram em defesa de Jarbas e Simon, condenando Renan Calheiros. O próprio Raupp tem se queixado de Renan, por ter determinado a leitura do ato de destituição antes de Jarbas e Simon terem sido comunicados.

Ontem, o presidente do PSDB, Tasso Jereissati (CE), reuniu 19 senadores em seu gabinete, de seis partidos diferentes (PSDB, DEM, PDT, PSB, PMDB e PT), para discutirem estratégia comum de enfrentamento da crise. Para forçar a saída de Renan do cargo, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), propôs obstrução total dos trabalhos em plenário e nas comissões.

Prevaleceu posição de Aloizio Mercadante, que chegou à reunião com o também petista Eduardo Suplicy (SP). Ele ponderou que o grupo deveria aguardar até 2 de novembro, prazo fixado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar para apresentação dos pareceres dos três processos já em curso contra Renan.

Mais uma vez, Renan subiu à tribuna para dar explicações e teve sua autoridade contestada. Negou ter autorizado Escórcio a espionar colegas. Atribuiu tudo à "cooperativa de calúnia" contra ele. Disse que, quando as "velhas denúncias vão ficando frágeis", a mídia busca "uma nova trama para envenenar o ambiente" e fazer com que ele se indisponha com os colegas.

"Estou aqui hoje desmentindo mais esta infâmia e sei que poderei responder por outras na próxima semana. Não se surpreendam se surgir outra invencionice, outra maluquice qualquer. São esquizofrenias políticas à procura de um autor. Mas eu não recuo", disse.

Perillo foi o primeiro a contestar Renan. Disse ter certeza de que Escórcio se reuniu em Goiânia com os advogados Heli Dourado e Wilson Azevedo. E que teriam discutido a possibilidade de instalar câmaras de vídeo em um hangar de táxi aéreo no aeroporto de Goiânia para filmar os embarques dos dois senadores goianos (Perillo e Demóstenes), na tentativa de flagrar alguma irregularidade. Afirmou não poder acusar Renan de estar por trás da ação, mas, pela gravidade, o assessor deveria ser demitido sumariamente desde a primeira hora. Renan respondeu que não poderia "prejulgar" e manteria o afastamento temporário de Escórcio.

Em seguida, Pedro Simon foi direto ao defender a licença de Renan. "Vossa excelência, ultimamente, vem se defendendo, se defendendo, se defendendo. Vossa excelência poderá responder ao que o estão acusando, acusando, acusando. E terá imparcialidade", disse. "Vossa excelência não pode colocar a sua questão pessoal, que eu respeito, acima do conjunto do Senado. E olha, senador Renan Calheiros, há uma unanimidade. O Senado está no chão", afirmou.

Mercadante pediu aparte e Renan tentou negar. Mas o petista insistiu. Disse que o Senado está vivendo uma "situação institucional inaceitável". Começou uma discussão. Mercadante acabou cobrando publicamente de Renan o compromisso que o pemedebista teria assumido com o PT de se licenciar caso fosse absolvido no primeiro julgamento.

"Vossa excelência falou: "Eu vou me fragilizar; não posso fazer isso. Mas aceito discutir essa possibilidade após a decisão"". Renan o interrompeu, considerou encerrado seu discurso, mas Mercadante continuou falando. "Vossa excelência engrandeceria muito mais se continuasse o debate e prestigiasse esta Casa afastando-se da presidência do Senado enquanto esse processo tramita", disse. Mercadante afirmou ser esta a mesma opinião dos senadores do PT.

Demóstenes também foi à tribuna. Exibiu a gravação da conversa de um repórter da "Folha de S.Paulo" com os advogados que teriam participado da reunião com o ex-assessor Francisco Escórcio. Começou um debate entre Demóstenes, da tribuna, e Renan, da cadeira de presidente.

Renan alegou que espionagem não é sua prática. E disse que na gravação os supostos arapongas não falaram em seu nome. Demóstenes rebateu e repetiu a fala em que o pemedebista é citado. O presidente do Senado alegou falta de "elemento jornalístico" na denúncia. Irritado, disse que Demóstenes "transformou o Senado em Delegacia de Polícia", ao mostrar a fita e perguntou: "É isso o que vossa excelência quer fazer com o Senado brasileiro?" O democrata rebateu: "Não. É o que vossa excelência fez com o Senado."