Título: Política
Autor: Costa , Raymundo ; Bittar , Rosângela
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2007, Política, p. A12

O governo Luiz Inácio Lula da Silva dá a largada hoje em experiência pioneira: construir uma rede estatal de televisão sem que ela se torne um canal de publicidade do governo. A TV Brasil, nome fantasia da nova emissora, nasce com um orçamento de R$ 350 milhões para 2008 e um quadro inchado de funcionários - os 2.500 servidores lotados na Radiobras, na Associação de Comunicação e Educação Roquete Pinto, do Rio, e da TV Educativa do Maranhão, que serão fundidos na Empresa Brasileira de Comunicação. É o núcleo inicial, a ser expandido num futuro próximo. Entra no ar no dia 2 de dezembro, um domingo. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) está encarregada da modelagem da gestão.

Na medida provisória a ser editada hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva serão definidos a estrutura jurídica da Empresa Brasileira de Comunicação - uma estatal -, o modelo de gestão e o modelo de financiamento. A rede começa com três emissoras - a TV Nacional, de Brasília, e as TVs educativas do Rio e do Maranhão - e oito emissoras de rádio AM e FM. A MP também criará os conselhos Administrativo e Curador. Este deve ser o maior "fiador" da independência da rede em relação ao governo e da pluralidade de opinião prometidos.

Na presidência desse conselho deve ficar Luiz Gonzaga Belluzzo, um economista que na eleição de 2002 apoiou o candidato tucano José Serra, mas que sempre manteve-se próximo a Lula. Ele fará os convites aos conselheiros. O fórum vai reunir 20 pessoas, sendo 15 representantes da sociedade, quatro ministros - os da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Comunicação Social - e um representante dos funcionários. Uma parte terá mandato de dois anos. Outra, de quatro anos. O regimento da TV Brasil deve estabelecer que os futuros conselheiros serão indicados pelos curadores no cargo.

O comando da TV será da jornalista Tereza Cruvinel, que deixou uma coluna política em O Globo, que escrevia há mais de 20 anos. Não foi uma decisão difícil: Tereza já acompanhava as discussões sobre o assunto e até escrevera uma tese de mestrado. "Esses compromissos foram devidamente postos na mesa. Nós queremos ser o menos dependente possível do governo. A questão é a TV ter mecanismo para ser pública", diz Tereza, referindo-se às conversas sobre pluralidade e isenção da nova rede que manteve com o presidente e com o ministro Franklin Martins (Comunicação Social).

A jornalista reconhece que houve "certas contrariedades" com a composição do Conselho Curador, sobretudo em algumas corporações. "Aí ele não seria de representantes da sociedade, mas das organizações corporativas". Fundamental para a independência da rede, segundo Tereza Cruvinel, será o modelo de financiamento da TV Brasil. "Quanto menos dependente do financiamento do governo, maior será a independência". A MP de Lula explicitará as formas de financiamento.

Além da dotação orçamentária de R$ 350 milhões - o capital será integralizado pela União, mas estará aberto à participação de Estados e municípios -, a TV Brasil poderá veicular publicidade institucional pública e privada, recorrer a incentivos para patrocínios de programas (via Lei Rouanet, por exemplo), e a cobrança de serviços feitos pela emissora, inclusive para o próprio governo. Por publicidade institucional entende-se, por exemplo, um anúncio da Companhia Vale do Rio Doce em defesa do meio ambiente. Os incentivos dedutíveis, para patrocínio, este ano chegaram a mais de R$ 500 milhões. Tereza pensa em também conseguir dinheiro de fundos como o Fust (telecomunicações) e o Funin, mantido apesar da privatização da Imprensa Oficial.

"Quanto mais dinheiro extra-governo, melhor para a TV pública", diz Tereza Cruvinel, mais uma vez renovando a sua profissão de fé: "Ela não será chapa-branca nem vermelha, mas também não será chapa-preta". A TV Brasil será "generalista". Não se propõe a competir com a tevê comercial nem "ser escrava da audiência". Na definição de Tereza Cruvinel será uma "TV para fazer educação para a cidadania, educação para demandas modernas da sociedade, como o meio ambiente, e mostrar o Brasil na sua diversidade cultural e geográfica". Não haverá investimento maciço no jornalismo, mas um telejornal a ser exibido à noite será a grande referência da nova emissora.

"O telejornal também vai ser experimental. Notícia e informação com isenção absoluta", diz Orlando Senna, atual secretário de audiovisual do Ministério da Cultura, que ocupará a direção executiva da TV Brasil. "Mas haverá espaço para comentários, à parte", diz, sempre com a ressalva de que o critério será a pluralidade. Senna participou de toda a discussão sobre a tevê pública desenvolvida no Minc. Ele resume a rede a três pontos básicos: "Interatividade, horizontalidade e relação com a sociedade, com pluralidade de opinião e pontos de vista e diversidade cultural". Para ele, um jornalismo sem adjetivos. "Hoje notícia e editorial se confundem", afirma.

Senna tem grandes projetos, mas diz que, por enquanto, o que se começa é a "desenhar a programação", cuja grade deve se consolidar num período que calcula entre seis e 12 meses. Entre as grandes idéias, há uma de distribuir 20 mil telefones celulares a pessoas que se tornariam uma espécie de correspondentes da TV Brasil, em todos os Estados.

A partir desse núcleo inicial de três emissoras de televisão e de oito rádios, a TV Brasil pretende se expandir. Primeiro, por meio das 25 emissoras educativas e universitárias (só Amapá e em Roraima não têm uma), em geral deficitárias e mal equipadas. Serão feitas propostas de adesão: plena, para a exibição da programação nacional, reservadas quatro horas para a programação local, mas com a contrapartida de um modelo de gestão pública. "O controle da sociedade é o que garante esse caráter público", diz Tereza Cruvinel. E já foi disponibilizado um canal em São Paulo - onde a TV Brasil terá um escritório - no espectro digital. O governo continua tendo o seu canal de divulgação: a NBR. De início, a sede será no Rio, mas Tereza e Senna não pensam numa emissora com uma ou duas cabeças de rede, como são as tevês convencionais. É o que Senna chama de "horizontalidade", com cabeças de rede nos 26 Estados e no Distrito Federal.