Título: Com o Real, Santander ganha posição de força
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2007, Oponião, p. A14

A maior operação de aquisição do mercado financeiro global, a compra e cisão do quase bicentenário ABN Amro, tem potencial para mudar o jogo financeiro em dois continentes. Na Europa, o holandês Fortis ficará imediatamente no encalço dos gigantes suíços UBS e Credit Suisse no segmento de bancos de investimentos. A aquisição tem tudo para chacoalhar o cenário até agora estável no topo do mercado brasileiro, há décadas envolto na disputa entre Bradesco e Itaú. A oferta pelo ABN, em uma operação combinada para culminar com a passagem do banco holandês para o britânico Barclays, terminou dando um impulso vital estratégico para o espanhol Santander, um player ainda acanhado no Brasil, que passou boa parte do tempo envolto nas operações de absorção de instituições financeiras adquiridas.

O quadro pode se alterar radicalmente a partir de agora. Em uma situação inédita para um banco estrangeiro na história financeira do país, o Santander, com o Real ABN Amro nas mãos, é o banco estrangeiro que chega mais perto da liderança do setor entre os gigantes privados - segundo lugar por ativos - e o que exibirá o mais variado portfólio de negócios com participação em praticamente todos os segmentos relevantes do mercado. A força da consolidação bancária no mercado europeu abriu ao Santander uma oportunidade única de dar saltos no Brasil, algo que se afigurava inexistente ou pouco provável em um jogo de forças puramente doméstico. O banco espanhol duplica sua fatia no mercado brasileiro, para 12%, e passa a liderar a banca privada em depósitos, com R$ 90 bilhões.

A qualidade dos ativos adquiridos justifica o preço pago - ? 12 bilhões -, que está em linha com as últimas transações do mercado nacional, algo como três vezes o valor patrimonial. Assim como despendeu a fábula de R$ 7 bilhões pela aquisição do Banespa, o preço a pagar pela entrada tardia no mercado mais promissor da América Latina, a compra do Real pelo Santander vale o preço.

O Real dá ao Santander um peso onde o banco espanhol ela era ainda insignificante, como é o caso do crédito para pequenas e médias empresas, um segmento disputado e que tende a crescer com o avanço acelerado da economia. No crédito para pessoa física, que exibe as taxas de expansão financeira mais exuberantes do país, a fatia do Real, de 10,18%, é o dobro da do banco espanhol, de 5,17%. O Santander desenvolvia, ainda sem resultados visíveis, uma financeira própria, e ganhará agora a força inestimável da tradicional e consolidada Aymoré, pertencente ao Real. Com 15,3% do bolo do crédito para pessoas físicas, o Santander chega a pouca distância do líder Itaú (16,66%) e do Bradesco (16,53%). No final das contas, os avanços para o Santander serão notáveis. No crédito para pessoas jurídicas, assumirá a vice-liderança privada, atrás do Bradesco, com quase 10%. No crédito total, sai de 4,96% do mercado para 11,8%, passando também à vice-liderança, um pouco à frente do Itaú, com 11,49%.

A compra vem em boa hora para o Santander no Brasil. A digestão dos bancos nacionais adquiridos, como Meridional, Noroeste e Banespa, foi demorada, especialmente a unificação dos sistemas de tecnologia que consolidam uma plataforma nacional de produtos. O assédio da Nossa Caixa arrancou um naco dos clientes do banco, até então protegido pelos direitos adquiridos após a privatização. E, ao contrário das fusões anteriores, a compra do Real não deve, ao que tudo indica, seguir o padrão de dificuldades anterior. Em primeiro lugar, porque o Real é um banco mais solidamente implantado no país que o Santander e já era uma instituição enxuta, eficiente e bem posicionada desde sua aquisição pelo ABN das mãos de Aloysio Faria. O ABN executou uma política de aquisições prudente, englobando bancos de nicho como o Sudameris, ou de alcance regional, que lhe ampliaram a cobertura nacional. Administração competente e visão de negócios equilibrada levaram o Real ao terceiro lugar no ranking privado do setor.

O Santander, assim, englobará um banco com operações maiores que a sua no Brasil e terá uma dimensão que consumiria anos para conquistar isoladamente. Poderá exercer uma pressão formidável sobre seus concorrentes e forçar uma resposta da elite dos dez maiores bancos a lances que se tornam cada vez mais pesados.