Título: Apple vive conflitos com revendas no país
Autor: Borges , André ; Rosa , João Luiz
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2007, Empresas, p. B3

No tabuleiro da Apple no Brasil, faltam peças essenciais: a loja de download de música iTunes, por exemplo, não chegou ao país até agora. A Apple alega que é difícil negociar com as gravadoras, embora outras companhias, caso da brasileira iMusica, já tenham fechado acordos semelhantes. O iPhone, o novo e cobiçado celular inteligente da empresa, também não tem data para desembarcar e o tocador de música iPod, apesar de disponível, é o mais caro do mundo, segundo um índice divulgado dias atrás.

Tudo isso pode afligir o consumidor, mas o ponto mais sensível da cadeia parece ser outro: as revendas. "A situação nunca esteve tão difícil para nós", diz Gonçalo Casanova, sócio-proprietário da revenda autorizada Inbrasil Tecnologia e Informática, empresa que há sete anos vive da venda de produtos da Apple.

Até dois anos atrás, diz Casanova, a Inbrasil faturava cerca de R$ 700 mil por mês, com a venda mensal de 40 computadores, em média. Por se tratar de máquinas geralmente voltadas ao uso profissional, o volume era considerado positivo, afirma o executivo. Hoje, porém, o movimento não chega nem à metade disso. "O mercado está muito complicado. Fica cada vez mais difícil ser uma revenda autorizada."

Uma das principais queixas da Inbrasil é o crescimento do contrabando de produtos. Há cerca de um ano, diz Casanova, a matriz da Apple criou o conceito de "garantia global" para seus produtos, isto é, se um computador ou um iPod comprado na Tailândia quebrar, ele pode ser reparado no Brasil. "Isso gerou uma forte entrada de contrabando. Complicou para nós, que somos apenas uma revenda de produtos."

Casanova diz que, a exemplo de outras revendas, tentou transformar sua empresa em uma assistência técnica autorizada, para engordar o caixa com a prestação de serviços. Não teve sucesso. A alegação oficial, segundo o empresário, é que o mercado em São Paulo já teria cobertura suficiente.

Outra queixa comum entre os revendedores é a entrada de produtos Apple em redes de varejo, como Lojas Americanas, FastShop e Fnac. Como as revendas têm uma margem de lucro apertada, não há condições de oferecer financiamentos tão flexíveis como os das redes de varejo. O resultado é que algumas empresas - que são o alvo dos revendedores - passaram a comprar produtos no varejo. "Conseguimos financiar em até três vezes, mas o varejo oferece o mesmo produto em 12 vezes", comenta Juliana Silva, coordenadora da Macfix, outra revenda de São Paulo. "O que está sobrando para nós são mesmo os serviços de manutenção."

A falta de publicidade também é queixa comum entre as revendas. "Falta propaganda. Antes a empresa investia bastante nisso, o que ajudava muito nas vendas", diz Claudio Ortiz, sócio da Mac Company, empresa que atua no mercado há 12 anos.

Outra ausência sentida é a de um canal mais ágil de comunicação entre as revendas e a Apple. "Antes eles até nos enviavam informativos sobre as mudanças na empresa", conta o dono de uma revenda que prefere não se identificar. "Hoje nem isso temos mais." O empresário lembra que, até meados de 1999, a subsidiária brasileira também costumava premiar a área comercial pelo cumprimento de metas. "Os prêmios acabaram, e todo mundo sabe que departamento comercial é movido a metas e incentivos deste tipo."

Nem todos as revendas, porém, atribuem as dificuldades à atuação da Apple. Para Sergio Azevedo, sócio da revendedora Manzanos, que trabalha com os produtos da empresa há 11 anos, a carga tributária é o vilão. "O principal problema não é a Apple, o contrabando ou quem faz importação direta; é a política tributária. Os impostos são muito altos."

Outro revendedor, que não quis se identificar, diz que a Apple designou um gerente comercial para tratar especificamente do grupo das 10 maiores revendas - as Apple Solution Experts (ASEs) -, da qual sua empresa faz parte. Isso teria melhorado bastante o contato com a fabricante. "O apoio, hoje, é maior." Além das ASEs, há cerca de outras 50 revendas da Apple no país.

O principal problema, segundo esse empresário, são empresas que estão fora da estrutura da Apple, uma referência à GreenMax, que tem ex-diretores da Apple em seus quadros e que importa os produtos diretamente dos Estados Unidos. Segundo esse revendedor, em uma reunião da Apple com suas revendas, realizada na semana passada, comentou-se que a fabricante pretende identificar os distribuidores que vendem para a GreenMax, com o objetivo de interromper o fluxo de vendas e erradicar o modelo da GreenMax no Brasil.

Para a GreenMax, a afirmação não faz sentido, diz Mauricio Costa, um dos sócios da empresa. "Compramos da própria Apple Califórnia, entre outros distribuidores que podem ser facilmente identificados pelo número de série do equipamento."

Ao comprar as máquinas diretamente dos EUA, a GreenMax elimina uma camada da cadeia: a do distribuidor. No Brasil, as revendas compram de três distribuidores - Officer, Tallard e Tech Data -, que, por sua vez, fazem os pedidos à Apple. Sem o distribuidor, a GreenMax calcula que a economia pode chegar a algo entre 20% e 30%, dependendo da encomenda.

"A operação da GreenMax está em pleno acordo com as leis brasileiras. Construímos um modelo diferente e o crescimento da empresa está mostrando que esse é um bom caminho", afirma Costa.

Em geral, os revendedores da Apple são, eles próprios, usuários dedicados da marca, o que estabelece uma fidelidade difícil de encontrar em outras cadeias de fornecimento. Casanova, da Inbrasil, diz que não pretende deixar de vender os produtos da Apple, apesar das dificuldades. A exclusividade com a empresa da maça, porém, está ameaçada. O empresário promete uma "surpresa" para os próximos meses. Ele não revela detalhes, mas uma possibilidade é seguir a trilha aberta pela GreenMax e passar a importar os produtos diretamente, sem a intermediação da Apple no Brasil. Recentemente, a própria GreenMax anunciou planos para reunir algumas revendas sob seu chapéu.

Ontem, a Apple anunciou no Brasil a chegada de seus novos iPod, incluindo o iPod Touch, parecido com o iPhone. O Touch chegará no fim do ano. O desembarque do iPhone permanece um mistério, mas a companhia informou que não pretende processar quem desbloquear o telefone para usá-lo no país.

O anúncio também serviu como uma espécie de apresentação de Alex Szapiro. O executivo foi contratado há pouco mais de mês para comandar a empresa no Brasil, depois de um longo período em que a subsidiária ficou sem um presidente, sob um sistema em que os executivos de cada área reportavam diretamente a seus superiores no exterior. Ex-presidente da Palm no Brasil, Szapiro bateu na tecla de que o preço dos tocadores, apesar dos impostos, está caindo, mas não fez comentários sobre a estratégia de negócios, seguindo o molde de absoluto silêncio seguido pela corporação.