Título: Cidade vive expectativa de mudança com projeto
Autor: Ribeiro , Ivo
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2007, Empresas, p. B13

Sábado, 29 de setembro, pouco mais de meio-dia. Um calor de quase 40 graus paira sobre o acanhado cais do terminal hidroviário da paraense Juruti. O "Karolina do Norte" e outras embarcações menores aguardam atracadas sobre as águas barrentas do rio Amazonas. De seus porões abarrotados de cargas são retirados sacos de cimento, caixas d'água e vários outros materiais de construção, óleo de soja, açúcar, farinha de trigo, garrafões de água, caixas de refrigerantes e cervejas e outras mercadorias que são logo despachadas para diversos cantos da cidade.

Com dois terços da população espalhados na zona rural, em distritos e em aproximadamente 250 comunidades, Juruti, na confluência de Pará e Amazonas, é um mar de precariedades. Quase tudo que consome vem de fora, suprido por barcos provenientes principalmente de Manaus e Santarém. Apenas alguns itens, como mandioca e sua farinha, são produzidos localmente, ainda de forma artesanal, nas pequenas roças e à beira das estradas que levam às comunidades espalhadas pelo imenso território de 694 mil hectares.

Para o prefeito, hoje cerca de 21 mil pessoas, dos 34,3 mil habitantes, já vivem na área urbana. O censo do IBGE de 2000 apontou que quase 11 mil viviam na cidade.

Só algumas ruas de Juruti são asfaltadas. O esgoto corre a céu aberto na maioria delas. A quase totalidade das residências é simples, confeccionadas em madeira. A energia ainda não chega para todos. Não há rede de abastecimento de água. O primeiro sistema de drenagem de águas pluviais de um dos bairros só foi feito pouco tempo atrás. O sistema de saúde é deficiente e a cidade carece de mais escolas para atender a demanda da população. O índice de analfabetismo é superior a 10% e a renda per capita, em 2001, era de R$ 53.

A chegada da Alcoa, em 2005, para montar sua mais importante mina de bauxita do mundo nos últimos 20 anos, mexeu com a população local. Os jurutienses viram a oportunidade de obter, com várias exigências, uma série de benefícios para o município, que sequer tem um fórum de Justiça. Hoje, as pessoas têm de recorrer ao de Óbidos, do outro lado do Amazonas, distante quatro ou mais horas de barco. A cidade queria postos de saúde, mais um hospital, a reforma do atual, atendimento odontológico, posto policial decente, luz, água tratada, mais escolas, estradas...

A empresa montou o que denomina de "agenda positiva", um pacote de R$ 50 milhões em benfeitorias para a cidade, distritos e comunidades. Há quem considere isso pouco e que ela deveria ampliar as compensações. Outros se dizem satisfeitos e acham que a companhia já faz muita coisa, bem mais que a prefeitura em três anos de gestão, como declara um morador da comunidade São Pedro, na gleba do assentamento Socó, que foi criado pelo Incra em 2002.

A prefeitura já arrecadou até agora R$ 17 milhões em impostos por conta do movimento de obras de implantação do projeto de bauxita. São 18 contratadas da Alcoa em operação no município, entre elas a Camargo Corrêa e muitas empresas do Pará e até uma de Juruti. A verba saiu dos gastos já feitos pela Alcoa no Pará relativos ao projeto - até setembro foram aplicados R$ 197 milhões na compra de bens e serviços. "Estamos com mais de 4 mil pessoas trabalhando nas várias obras de implantação e naquelas voltadas ao pacote social e ambiental", informa Tiniti Matsumoto Jr., prestes a fazer 38 anos de carreira na Alcoa. Mineiro de Alfenas, o diretor foi "seqüestrado" em São Luís (MA) para comandar a implantação do projeto.

Além dos alojamentos em terra, ao lado das obras do porto e da mina, a empresa arrendou um navio-hotel (para visitantes e até executivos) e um outro para pessoal técnico mais qualificado, com capacidade para 300 pessoas. Os hotéis locais, com mais da metade das vagas destinada à Alcoa, vivem lotados e imóveis na cidade tiveram súbita procura para aluguel, elevando várias vezes seus preços.

O carpinteiro Antônio Silveira, morador de Juruti, é uma das pessoas que fizeram parte do grande contingente de trabalhadores. Foi funcionário durante um ano em uma das empresas contratadas pela Alcoa. "Foi bom porque pude carimbar minha carteira de trabalho, que era branca, e tive a oportunidade de aprender muitas coisas. Agora, voltei a trabalhar por conta própria, atendendo pedidos de vários serviços, inclusive da prefeitura."

Eleito em 2004, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), com 49,9% dos votos, o prefeito Henrique Costa admite que só neste ano pôde iniciar um programa de obras para o município. Antes, alega, o dinheiro oriundo dos impostos foi destinado a equilibrar as contas da prefeitura. No momento, informa ele, há em execução um pacote de obras de R$ 13 milhões "que vai mudando aos poucos a cara da cidade". O pacote inclui 50 km de rede de distribuição de água, 45 km de rede de esgoto, extensão da rede elétrica (25 km), pavimentação de ruas (20 km), drenagem do centro da cidade, entre outras benfeitorias. Para a zona rural estão planejadas estradas vicinais, pontes, novas escolas (de regime fundamental e alternativo) e microssistemas de abastecimento de água nas comunidades.

"São duas frentes de ações, com 15% dos recursos para saúde, 25% para educação e os 60% restantes para infra-estrutura", informou Costa na manhã daquele sábado, enquanto caminhava por entre a obra de pavimentação de uma rua em direção à outra obra na cidade. As relações com a Alcoa, segundo ele, hoje estão bem. "No início, a parceria ficou meio estressada, mas agora está aliviada."

De fato, Juruti é hoje um canteiro de obras por todo lado. Além do pacote da prefeitura, a Alcoa está fazendo a reforma e a ampliação do antigo hospital, com instalação de modernos equipamentos, a construção de um novo (de alta complexidade, com o selo do Incor, de São Paulo), 16 salas de aula em escolas, três unidades básicas de saúde, escola do Senai, recuperação de rodovias e estradas vicinais, dentre outras. "Metade dos recursos são para a área de saúde. Em segundo lugar vem educação, depois Justiça (fórum) e segurança, e por último infra-estrutura", relata Tiniti. Tudo é entregue depois de pronto para a prefeitura, que deverá se encarregar da gestão e manutenção. As obras com valores menores ficam sob comando da prefeitura, acompanhadas pela empresa, mas nas de grande porte a gestão é toda da companhia.

O movimento gerado pela instalação da mina atraiu gente de vários lugares. É o caso de Raimundo Silva, que se aposentou, depois de 29 anos trabalhando no hospital da Mineração Rio do Norte, outra produtora de bauxita, em Porto Trombetas/Oriximiná. Ele pegou todas as economias para montar um laboratório de análises clínicas em Juruti. "Hoje só existem dois; por isso, vejo oportunidades para um novo", afirmou. Residente em Santarém, ele prevê gastar no negócio R$ 100 mil. Como Silva, fazem o mesmo caminho muitas pessoas de fora e da própria Juruti. Uma segunda turma de 40 inscritos de juritienses já faz o curso de gestão empresarial oferecido pela Alcoa. Há também o curso de qualificação do Senai para pessoas que irão trabalhar no empreendimento. De empregos diretos estão previstos 1,1 mil e até 3 mil indiretos.

"A prioridade é para as pessoas locais, pois queremos formar os fornecedores do futuro, dentro dos padrões da Alcoa", afirma Tiniti, quase mais conhecido na cidade, aonde chegou em dezembro de 2005, que o próprio prefeito. Às portas do escritório da Alcoa, todo dia, bate gente de todo quanto é canto do município. Vão saber sobre emprego, curso de formação para filhos na escola do Senai, pedir soluções para problemas diversos nos bairros ou nas comunidades e até reclamar de que as obras da ferrovia estão dificultando a colheita de mandioca na roça que fica do outro lado. Essa era a preocupação de dona Balduína numa tarde de sexta-feira.

José Mauricio de Macedo, gerente de sustentabilidade e relações institucionais da Alcoa, informa que apenas na "agenda positiva" e nas 35 ações relativas à área de impacto ambiental, os aportes da empresa poderão superar R$ 100 milhões. "Vamos fazer benfeitorias que vão ficar para toda a vida de Juruti." Pelo montante das reservas de bauxita, a Alcoa prevê que suas operações poderão durar 70 ou mais anos. Outro objetivo, diz Macedo, é formar um conselho e um fundo de desenvolvimento sustentável para o município com todos os representantes de Juruti.

O prefeito pontua que a "agenda positiva" é resultado de uma demanda da população que foi encabeçada pela prefeitura. Um exemplo é o fórum de Justiça. "Quando começar a funcionar, vai facilitar bastante as coisas e a vida da gente", assegura. "Com isso, vamos trazer o terceiro poder para o município", completa Tiniti, da Alcoa. Essa iniciativa exige também a construção de casas para o juiz, o promotor e o defensor público.

O movimento do comércio cresceu significativamente, como atesta a associação comercial local, mas já há pessoas que reclamam da chegada do progresso. "O trânsito aumentou muito e ficou perigoso", comenta uma moradora. É intensa a circulação de motos e bicicletas com famílias e jovens, mas os automóveis já tomam boa parte das ruas.