Título: Novo gigante da gestão
Autor: Pavini , Angelo
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2007, EU & Investimentos, p. D1

A conquista do holandês ABN Amro Real pelos espanhóis do Santander trará impactos significativos nos segmentos brasileiros de gestão de recursos e private bank. Apesar de a área de asset brasileira não estar oficialmente citada no negócio, o mais provável é que ela entrará no pacote. O novo comando espanhol deverá desembarcar no Real nos próximos 120 dias, prazo para que a operação seja aprovada pelas autoridades brasileiras, estimam analistas. Mas, de imediato, já se pode estimar a mudança no ranking das assets.

Hoje, o Santander ocupa a sétima posição em administração de ativos, com R$ 52,878 bilhões, e o ABN, a décima, com R$ 41,851, segundo dados de agosto da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). Com o ABN, o Santander saltará para o quarto lugar, com R$ 94,729 bilhões de patrimônio, atrás apenas de Banco do Brasil, Itaú e Bradesco, ultrapassando Caixa Econômica Federal e HSBC. O total de investidores do Santander também ganhará mais musculatura, passando de 331 mil para 500 mil.

Já para o investidor do comprado ABN Amro, a união deverá representar mudanças significativas. O ABN tem pouca variedade de fundos para o varejo e uma gestão voltada para a bandeira da sustentabilidade. Tanto que o destaque da casa é a família de fundos de ações Ethical, que sozinha reúne patrimônio de R$ 614 milhões, um dos maiores do mercado. "Nisso o ABN agrega valor ao Santander, que tem bem menos em fundos de ações", afirma Marcelo D'Agosto, do site Fortuna.

A ABN Amro Asset Management tinha, até dia 5 deste mês, R$ 2,6 bilhões em fundos de ações, para R$ 1,172 bilhão do Santander, segundo dados do Fortuna. Em março do ano passado, o banco holandês trouxe do Safra a executiva Luciane Ribeiro para comandar a área de gestão de recursos, com a missão de criar fundos de maior risco e diferenciados, o que começava a ser feito. No mês passado, o banco lançou dois multimercados com proteção de principal, um para o varejo, com seguro, e outro para o cliente private, com travas no mercado de opções de ações.

Já o Santander, que neste mês substituiu Edvaldo Morata por Márcio Appel no comando da asset, traz um estilo de gestão classificado pelos concorrentes como "mais agressivo" comercialmente e uma carteira de produtos mais diversificada. O banco foi um dos primeiros a oferecer para o varejo de alta renda fundos multimercados com garantia de principal ou de rentabilidade e chegou a ter problemas com os reguladores. Isso porque a publicidade dava idéia de que o banco garantia na aplicação a rentabilidade da poupança, quando, na verdade, a carteira contava com um seguro.

Esses fundos foram aperfeiçoados e o Santander tornou-se um dos líderes em multimercados, com R$ 11 bilhões, segundo o Fortuna, em quarto lugar no mercado. Com os R$ 3,5 bilhões do ABN, os espanhóis se aproximam do terceiro colocado, o Citibank, que tem R$ 16,9 bilhões em multimercados. "São situações complementares, o Santander já tem presença forte em multimercado enquanto o ABN é ativo em fundos de ações", resume D'Agosto.

Outros exemplos da originalidade do Santander são os fundos de renda fixa com taxa de administração decrescente de acordo com o tempo de aplicação. Uma outra invenção, uma carteira com ganhos alternativos entre DI e renda fixa prefixada, o Melhor de 2, também teria registrado problemas com os reguladores e não seria mais oferecido, diz um executivo de um banco concorrente. "Eventualmente fizemos algum ajuste na publicidade dos produtos", afirma Márcio Appel, vice-presidente de Asset Management do Santander. "Até porque fomos os primeiros a fazer propaganda de fundos específicos", diz ele, acrescentando que "foi a inovação que nos ajudou a ser o único banco de varejo a ganhar 'market share' em 12 meses". Ele explica que o Melhor de 2 é um fundo que tem período de captação definido e que, portanto, agora só registra resgates - por isso a carteira caiu de R$ 641 milhões em dezembro para R$ 241 milhões em outubro. Mas Appel evita confirmar se fará uma nova captação. "Não falamos da nossa estratégia."

O Santander é um dos poucos bancos de varejo que têm também um fundo com estratégia baseada em análise quantitativa - em modelos matemáticos e estatísticos. Em previdência privada, o Santander também terá um ganho razoável, saltando dos atuais R$ 4 bilhões para R$ 7,5 bilhões, ultrapassando o Unibanco, afirma Marcelo D'Agosto. Ele se aproxima do Banco do Brasil, o terceiro colocado do mercado de PGBLs e VGBLs, liderado por Itaú e Bradesco.

O clima no ABN, porém, está muito ruim, diz um diretor de um banco que também pediu para não ser citado. Ele diz que alguns executivos já estão deixando a instituição e lembra que a gestão no ABN já passava por uma reestruturação desde a saída de Luiz Maia, há cerca de dois anos, e pela chegada de Luciane Ribeiro. "O ABN não é um competidor que incomode, mas o Santander é um banco agressivo em marketing e fatura com a imagem de inovador", diz.

Para esse diretor, a aquisição do ABN pelo Santander é diferente da recente operação de compra do Pactual pelo UBS. "No Pactual, você juntou um banco altamente agressivo com uma placa excelente e ele virou um supercompetidor", diz. No caso do ABN, o risco é de perda de talentos com o choque de culturas. O ABN teria um estilo mais colegiado de tomar decisões, enquanto o Santander é mais centralizado. "É um banco de dono e o estilo é mais de 'arrombar a porta'".

A expectativa também é de que a compra abra a temporada de caça a clientes e executivos do ABN. Clientes que têm recursos nas duas gestoras podem reduzir o saldo para evitar a concentração. Isso deve acontecer principalmente com fundos de pensão e empresas, que já estão na mira de outros bancos. "Pelo menos umas quatro assets independentes devem surgir desse processo", comenda outro executivo, afirmando que já soube de colegas do ABN que estão procurando recolocação no mercado.

O assédio deve ser maior em torno dos clientes institucionais. Bancos como HSBC, Itaú e UBS Pactual devem aproveitar para tentar ampliar sua clientela, avaliam analistas. Outro executivo acredita, porém, que o Santander vai ser mais cauteloso na absorção do ABN. "Ele vai ter de preservar alguma coisa da cultura ABN para não afugentar os clientes", diz.