Título: Reserva elevada é equívoco, diz FMI
Autor: Balthazar , Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2007, Finanças, p. C14

Países como o Brasil adotam uma estratégia equivocada ao intervir no mercado para tentar conter as pressões geradas pelos crescentes fluxos de capital externo que os países emergentes têm recebido, adverte o Fundo Monetário Internacional (FMI) num estudo divulgado ontem.

Na avaliação da instituição, acumular divisas para evitar uma valorização excessiva da moeda local em relação ao dólar, como o Banco Central brasileiro vem fazendo há alguns anos, é uma medida ineficaz que torna ainda mais complicada a gestão da política econômica e gera outros custos indesejáveis.

O estudo faz parte da nova edição do relatório semestral do Fundo sobre o cenário econômico mundial, cuja íntegra será divulgada na semana que vem. O trabalho é resultado de uma análise cuidadosa que seus economistas fizeram das experiências do Brasil e de outros 49 países nas duas últimas décadas.

"O acúmulo de reservas internacionais necessário para evitar a apreciação da taxa de câmbio pode levar a condições monetárias excessivamente frouxas, criando assim o potencial para superaquecimento [da economia] e vulnerabilidades do sistema financeiro", afirma o Fundo.

O Brasil acumulou nos últimos anos US$ 162 bilhões em reservas, dinheiro suficiente para liquidar grande parte da dívida externa do país. Mesmo assim, o real continuou se valorizando em relação ao dólar, o que reduz a lucratividade de alguns setores exportadores e afeta a competitividade de outros.

O estudo do FMI tem caráter genérico e não contém nenhuma reprovação explícita ao Brasil. Mas a distância entre suas recomendações e o caminho seguido pelas autoridades brasileiras é evidente, e os funcionários do Fundo que monitoram a economia do país têm manifestado freqüentemente sua preocupação com os custos da política de acumulação de reservas.

De acordo com o estudo, países que intervieram no mercado para conter a pressão sobre suas moedas em outros períodos de oferta abundante de capital externo tiveram dificuldades para conter a inflação e evitar uma desaceleração acentuada da atividade econômica mais tarde, quando esses fluxos foram interrompidos por crises financeiras.

Como observam os economistas do Fundo, um dos problemas que as intervenções criam é a necessidade de "esterilizar" seus efeitos emitindo títulos públicos no mercado, para compensar a oferta de moeda gerada pela compra de dólares pelo BC e evitar que ela provoque um aquecimento excessivo da economia.

Essa política gera custos para o BC, que paga juros altos para rolar seus títulos e recebe rendimentos menores pelas reservas acumuladas. Além disso, a manutenção de taxas de juros elevadas "mantém os incentivos para a continuidade da entrada de capital, assim perpetuando o problema", como diz o estudo.

O FMI calcula que o fluxo de capital externo para países emergentes atingirá neste ano quase US$ 500 bilhões, mais do que o dobro do volume observado no ano anterior. Em termos relativos, comparado com o Produto Interno Bruto (PIB) desses países, o fluxo atual é mais intenso que o verificado na primeira parte da década de 90, antes da crise asiática de 1997-98.

O Fundo reconhece que a situação atual é diferente. A maioria dos países emergentes hoje em dia é menos vulnerável a uma interrupção súbita nos fluxos de capital externo, em parte graças à política de acumulação de reservas que a maioria adotou nos últimos anos. Mas o Fundo acha que os países deveriam se prevenir para evitar dificuldades quando a paisagem mudar.

O estudo do FMI recomenda que os países aproveitem o aumento de receitas obtido com a entrada de divisas e o aquecimento da economia para poupar, em vez de aumentar os gastos públicos como o governo brasileiro vem fazendo. Segundo o Fundo, países que apertaram os gastos tiveram melhores condições de estimular a economia depois que os dólares sumiram.

Reafirmando uma conhecida posição da instituição, o estudo do FMI desaconselha o uso de controles de capitais, medidas administrativas desenhadas para inibir a entrada de capitais especulativos e evitar saídas repentinas de recursos. Para o Fundo, os controles são facilmente driblados pelos investidores e criam outros problemas, como o aumento nos custos das empresas para obter financiamento.