Título: Basta de trapalhadas com Enem
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Fonte: Correio Braziliense, 19/01/2011, Opinião, p. 16

Visão do Correio

Há dois anos o Ministério da Educação (MEC) tenta, sem sucesso, amenizar o pesadelo da juventude brasileira na hora do difícil ingresso numa universidade pública. A louvável intenção esbarra no despreparo, na falta de planejamento e de estrutura. Desde então, dois presidentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) deixaram os cargos. O primeiro deles, o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) Reynaldo Fernandes, chegou a vaticinar, em carta de despedida aos funcionários, que ¿tormentas não duram para sempre¿, imaginando que logo o órgão estaria ¿navegando em águas mais calmas, podendo realizar com dignidade e competência sua importante missão¿.

Não foi o que se viu. Fernandes saiu em 2009, depois que a descoberta de fraude levou ao adiamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Seu sucessor, o professor do Departamento de Física da Universidade de Brasília (UnB) Joaquim Soares Neto, foi substituído ontem. Assume o posto a reitora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UniRio), Malvina Tânia Tuttam. Bonança à vista? A julgar apenas pela nova troca de comando, é de duvidar. O fato é que o MEC não está dando conta da complexa tarefa que assumiu. Ao implantar processo mais democrático e justo de acesso ao ensino superior que o famigerado vestibular, a pasta não se estruturou adequadamente. Resultado: sucessão de desmoralizantes falhas e um inferno ainda mais penoso para os estudantes.

As confusões com o Enem somam quebra de sigilo de provas e de dados pessoais dos candidatos, questões anuladas, gabarito errado. No ano passado, o governo criou, com base nas notas do referido exame, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que centraliza a oferta de vagas de universidades cadastradas. Seria mais um avanço, não fosse também apresentar problemas já na estreia ¿ e repeti-los agora, na segunda edição. Embora soubesse que 3 milhões de alunos estavam aptos a disputar as 83.125 vagas disponíveis, o MEC subestimou a demanda. Preparou-se para uma média de até 400 acessos por minuto e eles bateram em 600. Determinou prazo de três dias para as inscrições, que seriam encerradas ontem, e teve de revê-lo, prorrogando-o até amanhã.

Mais do que transtornar a vida de jovens ávidos por transpor a apertada porta de entrada do ensino de terceiro grau no país, as trapalhadas depõem contra o governo como um todo e comprometem importantes e bem-vindas fórmulas de solução do problema. O vexame do Sisu se torna ainda mais estarrecedor quando se sabe que o Brasil dá show de competência internacional ao captar e processar 135 milhões de votos num só dia e receber 24 milhões de declarações de Imposto de Renda em dois meses. É inexplicável que o MEC não consiga se organizar minimamente para atender a demanda bastante inferior. O ministro Fernando Haddad ¿ com férias marcadas para amanhã ¿, não eventual presidente do Inep, precisa assumir a responsabilidade de pôr fim ao imbróglio.