Título: Democracia é maior com lista fechada
Autor: Cláudio Gonçalves Couto
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2005, Política, p. A5

Ocorrerá uma drástica transformação do sistema eleitoral vigente em nosso país para as eleições parlamentares - excetuadas as senatoriais - caso seja aprovado o projeto de reforma política em apreciação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Manteríamos a representação proporcional, com a qual cada partido ou coligação elege (dentro de cada Estado) um número de legisladores correspondente à votação obtida nas urnas; porém, abandonaríamos o sistema popularmente conhecido como de "listas abertas", sem ordenação prévia, adotando um de "listas fechadas", pré-ordenadas pelos partidos, como ocorre na esmagadora maioria dos países que também adotam a representação proporcional. As listas abertas são compostas por todos aqueles candidatos habilitados pelo partido ou coligação e oferecidos ao escrutínio do eleitor, que seleciona dentre os diversos nomes que lhe são apresentados o que mais lhe apetece. Pode também, alternativamente, optar pelo voto na legenda partidária, abdicando assim da indicação de um nome e, conseqüentemente, de influir no ordenamento dos postulantes às cadeiras legislativas dentro de um determinado partido ou coligação. Neste caso, a ordem dos eleitos será definida pelo voto dos demais eleitores que tenham optado por escolher candidatos em particular - os mais votados encabeçam a lista e, conseqüentemente, ocupam em primeiro lugar as cadeiras reservadas ao partido (ou coligação) na Casa legislativa. Assumirão seus postos tantos parlamentares quanto forem as cadeiras a que o partido ou coligação tiver direito, com base na soma da votação obtida por todos os candidatos que integravam sua lista, mais os votos dados à legenda (ou às legendas, em caso de coligação). Também as listas fechadas compõem-se de candidatos indicados pelo partido, eles figuram, porém, numa ordem determinada pela própria agremiação; cabe ao eleitor votar única e exclusivamente na legenda, sem interferir no ordenamento estipulado previamente pelo partido. Cada agremiação conquista um número de cadeiras proporcional aos votos obtidos, ingressando como parlamentares na Casa legislativa os ocupantes dos primeiros lugares na lista partidária. O primeiro aspecto que salta aos olhos é a influência direta do eleitorado na determinação da "ordem de chamada" dos parlamentares, com lista aberta, e a sua inexistência, com lista fechada. A forma pela qual o partido fixaria esta ordem pode variar bastante: pelos caciques, pela burocracia, pelos convencionais da agremiação, pelo voto dos filiados ou numa eventual eleição primária, da qual participariam simpatizantes da legenda. Como os partidos têm autonomia organizacional, não é possível definir de antemão - e nem pela lei - com isto ocorreria.

Democracias consolidadas adotam lista fechada

Mas para quê a mudança? Uma primeira resposta à pergunta consta na justificativa do projeto de lei (2.679/2003): "Trata-se de uma opção política, no sentido de reforçar as agremiações partidárias". De fato, permitindo-se ao partido definir quem figurará na cabeceira da lista e quem será relegado à sua rabeira, dá-se a ele a capacidade de premiar e punir os legisladores de acordo com sua conduta ao longo do mandato. Não seria necessário expulsar um parlamentar rebelde; bastaria deixá-lo em colocação de improvável eleição no próximo pleito. O risco que traz tal mudança é o da oligarquização partidária: apenas uma corriola de chefetes partidários definiria a quem premiar ou punir em função das disputas internas, sem levar em consideração a maior ou menor representatividade dos candidatos junto à sociedade, elencando zelosos e obscuros lacaios das alcovas partidárias à frente de verdadeiras lideranças, de perfil politicamente mais amplo. Os que defendem a manutenção das listas abertas denunciam esse risco e apontam o suposto caráter mais (ou verdadeiramente) democrático do atual sistema. Isto porque o eleitor teria condições para, de fato, decidir quem ele quer que lhe represente, rejeitando possíveis imposições das oligarquias partidárias - contribuindo, inclusive, para a democratização da disputa dentro dos próprios partidos. Em que medida isto realmente ocorre? Caso consideremos a baixíssima lembrança que têm os eleitores dos candidatos em que votaram nas últimas eleições parlamentares, apenas poucas semanas após o pleito, esta capacidade de escolha consciente pode ser fortemente questionada: se sabem em quem votam, por que sequer se recordam? O eleitor comum é pouco informado sobre o processo político cotidiano, sobretudo nas casas legislativas. Reduzida condição tem ele de acompanhar o que fazem os parlamentares individualmente - salvo raríssimas exceções. De que forma poderia, então, julgar se seu parlamentar atuou bem ou mal? E não alimentemos ilusões moralistas de que seria necessário que o cidadão comum acompanhasse mais detidamente a política, que anotasse o nome de seus candidatos, que buscasse informações sobre eles durante os quatro anos de mandato etc.. Isto é uma utopia que simplesmente não irá se concretizar. Mais razoável seria pensar regras para o sistema político que o tornassem mais eficaz para esse eleitor que aí está: desinformado, desinteressado e que apenas formula juízos acabados sobre informações facilmente disponíveis. Para esse eleitor, o voto exclusivamente na legenda facilita muito as coisas. Ao invés de defrontar-se com uma infinidade de candidatos, teria de apreciar apenas alguns "pacotes partidários". O espaço ao julgamento das personalidades em disputa seria assegurado pela "comissão de frente" do partido (os primeiros nomes da lista) que, se por um lado, poderiam servir para ocultar mequetrefes do segundo pelotão, por outro, assegurariam a eleição de lideranças representativas. Isto sem falar que só a lista fechada viabiliza o financiamento público de campanha - mas isto é tema para outra coluna.