Título: Câmara discute incentivo à energia alternativa
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2007, Brasil, p. A6

Maurilio Biagi Filho, usineiro: usinas estão sendo feitas sem co-geração As fontes alternativas de energia, cuja exploração ainda é irrisória no Brasil, podem ter em breve um marco regulatório próprio. Elas vêm ganhando terreno no mundo todo, diante das preocupações com as mudanças climáticas, mas caminham a passos lentos no país. Nas próximas semanas, começa a funcionar na Câmara uma comissão especial para discutir o projeto de lei 1.563/07, assinado por 25 deputados, que prevê novos incentivos à geração de energia eólica, por biomassa (cana-de-açúcar) e de pequenas centrais hidrelétricas, as PCHs.

O projeto tem outra vertente, que deve ser encampada pelo governo: a tentativa de popularizar o aquecimento de água por energia solar. Estima-se que os chuveiros elétricos representem 18% da demanda de pico, durante o início da noite, no sistema interligado. A proposta fixa o ano de 2014 como prazo para a adoção de aquecedores solares de água, em unidades consumidoras residenciais, "excetuadas aquelas que demonstrarem impedimento técnico". Os consumidores que não instalarem esse sistema seriam obrigados a pagar um adicional de até 50% pela energia. A única exceção é para quem se beneficia da tarifa de baixa renda, cujo limite de consumo é de 80 kilowatts-hora (kWh)/mês.

O ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, vê com reservas boa parte das propostas, mas declarou seu apoio à iniciativa de difundir o uso de aquecedores solares. "Esse é, sem dúvida, um ponto positivo", afirmou.

O Brasil já possui uma matriz considerada bastante limpa, em que a fonte hídrica é responsável por 77% da geração de energia elétrica. O problema é que novas hidrelétricas estão cada vez mais caras e mais distantes dos centros de consumo e as demais fontes renováveis ainda não receberam grande impulso. O parque eólico construído a partir de estímulos contemplados pelo Proinfa (de 2002), totaliza menos de 300 megawatts (MW). Segundo dados da Unica, principal entidade da indústria sucroalcooleira, o uso do bagaço de cana pode elevar a capacidade de geração elétrica em 8.494 MW, na safra 2011/2012. Se for somado o uso da palha e da ponta da cana, o potencial sobe para 20 mil MW.

Na tentativa de concretizar as promessas de crescimento desses dois setores, o projeto que começa a tramitar na Câmara dos Deputados preconiza alterações na lei do Proinfa. Ele impõe a meta de 15% para a participação de usinas eólicas, PCHs e biomassa na matriz elétrica até 2020. O valor pago pela energia renovável seria rateado entre todos os consumidores atendidos pelo sistema interligado, com exceção da baixa renda. A intenção é contratar 6.600 MW até dezembro de 2009, em instalações com início da operação até o fim de 2013, assegurando a compra da energia por 20 anos. Como hoje, haveria exigência de conteúdo nacional mínimo das máquinas.

O projeto de lei abrange ainda um segmento que vive em lacuna do ponto de vista legal: os sistemas isolados. Prevê garantia de compra por 20 anos e subsídio pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE, encargo já cobrado nas contas de luz) para financiar a geração de energia limpa em comunidades isoladas. "O que queremos é abrir a porteira das energias renováveis", afirma o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), co-autor e principal articulador do projeto. "Para isso, precisamos de um tripé: garantia de compra (da energia produzida), geração descentralizada e aproveitamento da luz solar para o aquecimento de água", defende.

Para 2011, o governo admite um déficit energético de 1,4 mil MW médios. Tudo leva a crer que esse problema será vencido apenas com a contratação de novas térmicas movidas a óleo combustível, a fonte mais cara e poluente. Especialistas dizem que a melhor alternativa é aproveitar o imenso potencial de biomassa, mas falta conectar as usinas ao sistema de distribuição e ter regras claras de comercialização.

O usineiro Maurílio Biagi, um dos maiores do país, avisa que, para gerar energia em 2011, os empresários precisam saber agora se terão os estímulos necessários. Caso contrário, instalam caldeiras de baixa pressão, bem menos eficientes. "Cerca de 50% das usinas que estão sendo construídas neste momento não estão colocando as caldeiras e demais equipamentos necessários para a co-geração", diz.

Segundo ele, uma caldeira de alta pressão representa 20% do investimento de novas usinas e não há sentido colocá-las sem uma forte sinalização de que será possível vender a energia. Para isso, reclama de dois obstáculos: o próprio usineiro deve construir a conexão ao sistema interligado, mas é obrigado a repassar essa estrutura à concessionária de distribuição e depois paga, paradoxalmente, pelo uso da rede, e, em segundo lugar, é preciso passar por um novo processo de licenciamento ambiental para aumentar a potência de geração elétrica de uma usina, quando poderia haver um "rito sumário" para a licença. Biagi lembra que o fator crucial é ter um preço "justo" nos leilões de energia. "Não queremos subsídios, só um preço que seja um bom adubo para o negócio", assegura o empresário.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, Sérgio Marques, afirma que o grande obstáculo para o setor é o preço e a oferta dos equipamentos. Segundo ele, com a expansão do parque eólico nos Estados Unidos, os fabricantes se instalaram no mercado americano. Para o empresário, o governo deveria oferecer contratos de longo prazo e regularidade na contratação. O país terminará o ano com 300 MW de usinas eólicas instaladas e chegará a 600 MW em 2008, calcula Marques.

De acordo com ele, o preço do MWh da energia eólica já baixou para US$ 70 na Alemanha, tornando-a competitiva em relação a outras fontes. Marques defende leilões anuais específicos para a energia dos ventos, mas diz que o piso para remunerar os investimentos no Brasil ainda precisa ser, pelo menos, R$ 210/MWh.

"Esse valor pode baixar gradativamente, com a entrada de novos fabricantes de equipamentos no país e os ganhos de escala", garante o empresário. No primeiro leilão de fontes alternativas, realizado em junho, o preço de referência era R$ 135 e nenhuma eólica apareceu. Para ele, o governo levou adiante uma estratégia de alto risco e de curto prazo. "As térmicas a óleo combustível que foram contratadas custam R$ 134/MWh quando estão paradas, mas o preço da energia vai para R$ 600 se elas forem acionadas."