Título: Governo negocia para aprovar CPMF
Autor: Jayme , Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2007, Política, p. A10

A Câmara dos Deputados começou a votar ontem a proposta de emenda à Constituição que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a Desvinculação dos Recursos da União (DRU) e o governo sentiu os efeitos de votar, sem concessões à oposição, a matéria mais polêmica do Congresso neste segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante o dia de ontem, o Palácio do Planalto recebeu exigências de todos os lados da base aliada sob a forma de condição para que a CPMF fosse votada.

A bancada ruralista, por exemplo, reivindicou a imediata renegociação da dívida dos pequenos agricultores, processo que se arrasta há meses no governo. A frente parlamentar da Saúde exigiu um compromisso do governo na aprovação da regulamentação da emenda 29, que muda a forma de cálculo e aumenta os recursos a serem repassados para a saúde.

Outras reclamações vieram dos grupos de deputados que apoiavam a aprovação de duas das três medidas provisórias revogadas pelo governo federal para que a CPMF entrasse em pauta. Na tentativa de acelerar a aprovação da CPMF, entre terça e quarta-feira o Planalto revogou três MPs. A mais importante delas dava compensações tributárias aos setores de calçados e artefatos de couro, têxtil, de confecção e de móveis de madeira, fortemente prejudicados pelo atual câmbio do país.

As bancadas parlamentares que representam esses setores mostraram enorme irritação no Congresso. "Foi uma falta de consideração enorme do governo. Dizem que se o governo não atrapalhar, já ajuda. Mas o governo atrapalhou", disse o deputado Renato Molling (PP-RS), ligado ao setor moveleiro. Ele prevê que alguns dos colegas que apoiam essa parcela da indústria podem se voltar contra o governo na votação da CPMF. "Com certeza, ficou um clima negativo na Câmara com essa revogação."

E não foi só essa MP a causadora de problemas. Outra medida provisória revogada trazia a criação de um sistema de tributação para os sacoleiros da divisa do Brasil com o Paraguai. Em reunião com a bancada do PR, na manhã de ontem, o líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PTB-PE), recebeu reclamações. No mesmo encontro, houve reivindicações por cargos nos estados. A demora do governo em indicar o segundo e terceiro escalões da administração tem irritado sobretudo PP, PR, PTB e PMDB.

Múcio desconversou sobre as reivindicações. "Essa pressão existe em função do desejo dos partidos da base aliada de serem parceiros do governo. É parte do processo democrático", afirmou. Às 10h de ontem, a sessão para votar a prorrogação da CPMF teve início. Às 20h10, os deputados ainda discutiam o tema e não havia qualquer expectativa de votação do texto antes da madrugada. Durante a tarde, ao conversar com um deputado no microfone do plenário, o presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP) mostrou qual era o clima na Câmara. "Peço aos deputados que venham votar. Isso aqui vai longe. Ninguém abre mão da parada", afirmou, em tom descontraído.

Toda a demora se deve ao bem-sucedido trabalho de oposição implementado por PSDB, DEM, P-SOL e PPS. Os quatro partidos de oposição prometem dificultar ao máximo a prorrogação do imposto. Até o aniversário do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC) virou evento de protesto contra a contribuição. O bolo da festa continha a inscrição "Xô, CPMF!", mote da campanha liderada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Na tarde de ontem, a oposição ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) ações diretas de inconstitucionalidade contra a revogação, pelo governo, das três MPs que trancavam a pauta e impediam a análise da prorrogação da PEC da CPMF. Os partidos de oposição alegaram que o Executivo está interferindo na pauta do Congresso. Segundo eles, "ao arrolar para si a prerrogativa de fazer a pauta da Câmara dos Deputados, o Presidente da República estaria invadindo competência do Legislativo, interferindo na autonomia e harmonia entre os Poderes". As três ações - uma para cada MP - serão relatadas pelos ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso.

Também foi impetrado mandado de segurança pedindo a nulidade de todos os trabalhos da comissão especial que analisou a proposta. Segundo o PPS, o deputado Pedro Novais (PMDB-MA) não poderia ter presidido a comissão. O parlamentar é um dos signatários da PEC que prevê a prorrogação do imposto. Nesta condição, o regimento interno lhe dá a prerrogativa de autor da proposta. E o mesmo regimento prevê que o deputado não pode presidir comissão que analisa proposta de sua autoria. "É algo claro no regimento. O deputado Pedro Novais não poderia ter presidido a comissão. Todos os trabalhos devem ser anulados", afirmou o líder do PPS, Fernando Coruja (SC). (Colaborou Juliano Basile)