Título: Fed deixou inflação de lado e zelou por emprego e renda
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Fonte: Valor Econômico, 20/09/2007, Opinião, p. A16

O sinal mais claro do que significa a decisão do Federal Reserve (banco central americano) de terça-feira, de baixar a taxa de juro dos Fed funds em meio ponto percentual - de 5,25% para 4,75% ao ano - pôde ser visto ontem no mercado de commodities. O petróleo bateu novo recorde, a US$ 81,99, o níquel subiu nada menos que 9,71% e o zinco, 6,51%. A leitura dos investidores é de que, ao adotar um corte de tamanha magnitude, o Fed mostrou uma preocupação maior com a crise bancária e a desaceleração econômica norte-americana do que com a inflação. Zelou pelo emprego e pela renda. Estimulou o consumo, deu um empurrão na demanda.

A primeira análise indica que a medida poderá ter efeitos na taxa de juro brasileira já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A entrada de dólares no país tende a se manter elevada. Primeiro, porque o diferencial entre a taxa básica brasileira e a americana aumentou, o que pode atrair mais investimentos. Segundo, porque o país é grande exportador de commodities e a balança comercial se beneficia da alta de preços de produtos como o níquel.

Ontem, o dólar fechou a R$ 1,869, com nova queda. A desvalorização da moeda americana é um fantasma que assombra os industriais brasileiros, que reclamam de perda de competitividade em relação a países como China e Índia e do aumento das importações. Mas há um outro e importante lado da moeda: a desvalorização também pode arrefecer possíveis pressões inflacionárias no mercado doméstico. É bom lembrar que, na última reunião do Copom, quando a taxa Selic foi reduzida de 11,5% para 11,25% ao ano, as preocupações com a inflação contribuíram fortemente para a decisão.

Com a redução do risco inflacionário, o Banco Central certamente voltará a ser pressionado a realizar novas rodadas de queda de juro. Economistas e executivos do mercado financeiro, que já acreditavam em pelo menos mais um corte de 0,25% este ano, voltaram a falar em dois cortes até dezembro. As taxas de juro no mercado futuro também retrocederam nos dois últimos dias.

A decisão do Fed, então, só trouxe benefícios ao Brasil? Não. Em primeiro lugar, as opiniões se dividem sobre o risco moral (moral hazard) assumido pelo banco central americano. Alguns avaliam que a decisão de realizar um corte de juro maior que o esperado contribui para salvar investidores e seria um estímulo à assunção de riscos. Outros defendem que a preocupação com algo maior - neste caso, a atividade econômica norte-americana - se sobrepõe à questão financeira. Mas essa visão mais "otimista" embute uma outra questão difícil. Se a preocupação com a atividade era tão grande, será que os sinais de desaceleração não são maiores do que os já conhecidos? Neste caso, um corte de meio ponto percentual será suficiente?

É por isso que é bom ter cautela. A euforia dos mercados financeiros nos últimos dias não quer dizer que está tudo resolvido e que o Brasil só colherá bons frutos. O país, indubitavelmente, está muito melhor preparado para enfrentar crises. As reservas externas podem atingir US$ 200 bilhões até o fim do ano, um colchão nada desprezível. Mas o Brasil não passará incólume a uma desaceleração da economia americana, ainda que os Estados Unidos não sejam hoje mais considerados o principal motor da atividade econômica mundial. Um cenário de persistência da instabilidade financeira também pode alimentar o movimento de fuga para ativos de qualidade, o chamado "flight to quality". Países emergentes, como o Brasil, sempre sofrem os efeitos negativos desse processo.

No pior cenário, de persistência da crise financeira externa e de fuga de investidores para ativos de qualidade, o Brasil poderá ser punido por ter aumentado os gastos públicos e por não ter utilizado a maior arrecadação de impostos para reduzir a carga tributária ou ampliar investimentos públicos.

Por enquanto, prevalece a boa avaliação do país no exterior e crescem as apostas de que o tão esperado grau de investimento pode estar perto. O Brasil, entretanto, pode estar perdendo a chance de fazer as reformas necessárias para tornar a rota de crescimento sustentável no longo prazo. É sempre mais difícil tomar medidas polêmicas quando tudo está indo bem. Mas é esse o melhor momento.