Título: Crise não deveria ser respondida com casuísmo
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Fonte: Valor Econômico, 21/09/2007, Opinião, p. A14

O escritor e dramaturgo Ariano Suassuna despejou bom senso ao analisar o cenário político brasileiro. "Realista-esperançoso", Suassuna disse que tem "os olhos abertos" com os políticos brasileiros, mas rejeitou a generalização: "Não caio nessa armadilha de estender a todos os políticos esse julgamento como estão fazendo, porque isso tira a esperança do povo brasileiro e tira a esperança do jovem. (...) Porque aquilo é uma minoria de corruptos que envergonham nosso país e nosso povo." ("'No meu tempo era pior', diz Ariano, aos 80" Valor, 20/11).

O escritor viveu longos períodos de ditadura e democracia, viu heróis e corruptos na política e assistiu a mudanças no que chama de Brasil "real" e Brasil "oficial", invocando Machado de Assis. Sabe que por mais que o "oficial" deixe a desejar, a democracia é um bem a ser cuidado.

A sucessão de escândalos que colocam em questão o Legislativo não devem lançar o descrédito sobre a instituição como um todo. Isso vale para os próprios membros do Parlamento. Se há uma crise de credibilidade, os partidos e os eleitos democraticamente pelo povo devem restitui-la usando os instrumentos de auto-depuração de que dispõem.

O Congresso deixou de fazer isso sucessivas vezes nos últimos anos. Na Câmara, foram absolvidos pelo plenário parlamentares acusados de envolvimento com o "mensalão" que tinham recebido comprovadamente em suas contas dinheiro do esquema de caixa 2 do PT nas eleições de 2004. O plenário do Senado rejeitou o pedido de cassação de seu presidente, Renan Calheiros, alvejado por denúncias nos últimos meses. Nos dois casos, debitem-se os votos contra a auto-depuração ao governo e à oposição. É indiferente. Aqui conta o corporativismo, favores ou simples amizades.

Mas não é correto que se trate o assunto institucionalmente de forma intempestiva. Quando isso acontece no Congresso, não raro são favorecidas soluções que não têm o efeito prático desejado e podem beneficiar casuisticamente uma das partes envolvidas no jogo político, governo ou oposição.

O episódio Renan Calheiros precipitou a discussão em torno de em que circunstâncias a Câmara e o Senado deveriam eliminar o voto secreto em votações do plenário. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com apoio de governistas e oposicionistas, aprovou uma proposta de emenda constitucional que simplesmente elimina o voto secreto. Muito chão ainda tem pela frente para aprová-la, se isso acontecer: tem que ser aprovada pelo Senado e pela Câmara. Até lá, valeria uma discussão mais apurada sobre o assunto.

A Constituição prevê o voto secreto do Senado para a aprovação de indicações de ministros dos tribunais superiores, titulares de agências reguladoras, do procurador-geral da República, embaixadores, presidentes e diretores do Banco Central e para apreciação de vetos do presidente da República. Ao acabar com todo e qualquer voto secreto, o Senado está partindo do princípio que todos os deputados e senadores estão sob suspeita, em qualquer circunstância, quando são protegidos por esse instituto. É preciso avaliar com cautela, no entanto, em que circunstâncias o segredo da decisão pode proteger o voto de consciência de pressões do governo ou até de retaliações futuras.

Quando se é tomado indiscriminadamente pela "paixão e devoção pelo voto secreto", como disse o relator Tasso Jereissati (PSDB-CE), com a motivação única de um fator episódico, pode se cometer um erro de difícil reparação, já que uma emenda constitucional é aprovada por voto qualificado. Uma decisão tomada para resolver apenas um problema imediato pode ser simplesmente casuísta. Se o problema for afastar Renan da presidência, mais rápido e eficiente seria mudar o regimento e instituir que os senadores sob investigação da Comissão de Ética devem se afastar dos cargos da mesa diretora.

Pior ainda a idéia acalentada por setores do PT, supostamente como resposta à crise do Legislativo, de convocar uma Constituinte para estabelecer um sistema unicameral. Isso seria casuísmo e meio, quase um chavismo. Sem Senado, onde é minoria, o governo petista reinaria com uma maioria confortável na Câmara. Com todas as dificuldades para a governabilidade que significa não ter maioria no Senado, o melhor para a democracia é que os governos negociem de forma republicana com os partidos representados no Congresso.