Título: Terá o Brasil superado a síndrome de Peter Pan?
Autor: Paula, Luiz F. de ;Oreiro, José L.
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2007, Opinião, p. A14

Artigos publicados neste jornal em 31/9/07 e 10-12/9/07 expressaram uma interessante controvérsia entre economistas ortodoxos e heterodoxos sobre a conveniência da reintrodução de controles de capitais no Brasil.

O argumento apresentado pelos representantes da ortodoxia é que o Brasil precisa superar a "síndrome de Peter Pan" e se comportar como uma economia madura. Segundo essa linha de argumentação, a existência (ou reintrodução) de controles seria sintoma inequívoco de uma economia ainda na infância em seu relacionamento com os mercados financeiros internacionais. Contudo, este não seria mais o caso brasileiro. Após a estabilização dos preços obtida pelo Plano Real e consolidada pela vigência do regime de metas de inflação; o equacionamento (ainda que não definitivo) do endividamento público via superávits primários; e a eliminação dos graves desequilíbrios externos da década de 90, devido aos altos superávits na balança comercial, os fundamentos da economia seriam robustos o suficiente para permitir ao Brasil se comportar como uma "economia adulta". Os controles de capitais seriam desnecessários, e contraproducentes, pois a redução do acesso dos residentes no Brasil aos mercados financeiros internacionais poderia reduzir os fundos disponíveis para o financiamento do investimento produtivo, contraindo investimentos efetivamente realizados, com reflexos negativos sobre o crescimento de longo prazo.

No artigo publicado em 12/9/07 ficou claro que não existe relação imediata entre o grau de abertura da conta de capitais, a disponibilidade de fundos para financiamento do investimento produtivo e o investimento efetivamente realizado.

Nessa mesma linha de argumentação, os autores do presente artigo analisaram, junto com F. Ono e G. J. Silva, uma amostra de 74 países, no período 1985-1999, para avaliar o impacto do regime de conversibilidade da conta de capitais sobre o crescimento econômico ("Uma avaliação empírica da proposta de plena-conversibilidade do Real", publicado no livro "Câmbio e Controles de Capitais", Campus). Os resultados mostram que os países nos quais os controles de capitais existem não cresceram mais lentamente do que os que não têm controles.

Não é convincente, portanto, o argumento de que a reintrodução dos controles de capitais no Brasil causaria desaceleração do ritmo de crescimento. O argumento de que "controles de capitais no Brasil não funcionam" porque aqueles efetuados via IOF sobre entrada no período 1994-97 não foram eficazes - o sistema financeiro doméstico criou mecanismos para contorná-los - é falacioso, pois generaliza uma experiência específica avaliada como mal-sucedida.

-------------------------------------------------------------------------------- A introdução de controles de capitais via depósitos não remunerados na entrada é compatível com a atual política monetária --------------------------------------------------------------------------------

Admitindo que existam benefícios potenciais advindos da eliminação dos controles de capitais em "economias adultas", o Brasil parece não dispor ainda das condições necessárias para se desenvolver sem, ao menos, a existência de controles à entrada de capitais especulativos. Isso porque persiste uma patologia que o impede de ter o mesmo status de economia adulta que os países desenvolvidos: uma taxa de juros de curto prazo interna muito superior à taxa de juros compatível com o equilíbrio externo da sua economia. Mesmo após vários meses seguidos de redução ininterrupta da Selic, a taxa de juros continua pelo menos 400 pontos base acima do que seria compatível com lucro de arbitragem igual a zero em operações envolvendo títulos denominados em dólar e denominados em reais.

Essa afirmação pode ser constatada por um raciocínio simples, que envolve a comparação entre a taxa de juros interna e a taxa de retorno para aplicações de residentes brasileiros no exterior levando-se em conta os riscos de default e de conversibilidade, bem como a expectativa de desvalorização cambial. Consideremos os T-bonds americanos de dois anos, cujo prazo é apenas um pouco menor do que a média de maturidade da dívida pública brasileira. Esses T-bonds tinham uma taxa de juros de 4,31% ao ano em agosto. No mesmo período, o prêmio de risco-país era de 195 pontos base. Assumindo que o risco de conversibilidade pode ser precificado em torno de 100 pontos base, e que os agentes econômicos esperam uma desvalorização do câmbio igual a zero no prazo de um ano, chegamos a uma taxa de retorno ajustada pelo risco de 7,26% ao ano para aplicações financeiras no exterior pelos residentes no Brasil. No final de agosto, a taxa Selic, que remunera cerca de 40% dos títulos públicos, era de 11,5% ao ano. Assim, existe um diferencial entre juros internos e juros externos de cerca de 400 pontos base. Trata-se de puro ganho de arbitragem que, segundo a teoria convencional, deve induzir uma maciça entrada de capitais na economia brasileira, forçando à apreciação cambial.

A patologia específica da economia brasileira é que esse diferencial entre juros internos e externos tem sido persistentemente positivo - no mínimo desde o início da atual gestão do BC, em 2003. O diferencial foi um dos responsáveis, embora não o único, pela apreciação contínua da taxa de câmbio ao longo dos últimos quatro anos. Além disso, não existem elementos na atual conjuntura internacional, nem no histórico da condução da política monetária pelo BC, que nos permitam antever, em futuro próximo, o fim dessa distorção. Mantida a atual liberdade de movimentação de capitais, a taxa nominal de câmbio pode se apreciar ainda mais nos próximos meses, trazendo o dólar para menos de R$ 1,80.

Como lidar com esse problema? A solução mais óbvia seria eliminar o diferencial entre os juros por meio de uma mudança maior na condução da política monetária. Isso significaria o abandono ou uma grande flexibilização do regime de metas de inflação. Embora tecnicamente viável, possivelmente essa alternativa não teria viabilidade política. Uma segunda alternativa seria introduzir controles de capitais para impedir, ou provavelmente diminuir, as entradas de capitais externos cujo objetivo é o de explorar o diferencial de juros interno e externo.

A introdução de controles de capitais via depósitos não remunerados na entrada seria compatível com a condução da atual política monetária (que deveria, contudo, ser flexibilizada na margem, isto é, no contexto do próprio regime de metas de inflação), mas teria a vantagem de minimizar os efeitos colaterais dessa política (via câmbio apreciado) sobre o crescimento da economia brasileira.

Luiz Fernando de Paula é professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ e pesquisador do CNPq. E-mail: luizfpaula@terra.com.br.

José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UFPR e pesquisador do CNPq. E-mail: joreiro@ufpr.br. Os dois autores são organizadores do livro "Sistema Financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro".