Título: A reputação de Medellín
Autor: Shlaes, Amity
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2007, Oponião, p. A15

Existe alguma cidade no mundo com uma reputação pior que a de Medellín? A segunda maior cidade da Colômbia tem uma reputação tão ruim que quase se transformou em uma paródia de si mesma. No seriado "Entourage" do canal HBO, os protagonistas estão obcecados com a captura do vilão Pablo Escobar, num filme chamado "Medellín", que narra a sua ascensão a chefão do cartel de drogas que dominou a cidade.

Para a maioria dos cidadãos dos EUA aquelas três sílabas representam um código para tudo o que está errado na América Latina - a ausência de leis, as drogas, a ilusão de que uma rede de bandidos substitui a economia real. O Congresso dos EUA pensa da mesma forma. Um acordo de comércio bilateral, ou FTA, entre os EUA e a Colômbia, é um dos quatro acordos desse tipo que o governo Bush quer que seus legisladores aprovem neste outono. Panamá e Peru poderão receber a autorização, mas a Colômbia, juntamente com a Coréia do Sul, continua em dúvida.

O presidente do sindicato de trabalhadores AFL-CIO, John Sweeney, classificou a Colômbia de "uma grosseira violadora de direitos humanos" e criticou duramente o presidente Álvaro Uribe por este não ter impedido o assassinato de líderes sindicais. A presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, compartilha essa atitude. Sua hesitação implícita é simples: se Medellín está na Colômbia, então a Colômbia é um lugar perigoso demais para se fazer negócios.

Mas talvez Medellín tenha mudado. Viajantes que estiveram recentemente com o secretário do Comércio, Carlos Gutierrez, presenciaram uma impressionante reviravolta que não só fortalecia os argumentos favoráveis ao endosso do FTA, como a revisão a opinião sobre a região.

Medellín ficou conhecida na década de 1980, quando Escobar a transformou na capital da cocaína do continente. No seu tempo e depois os membros da quadrilha reinavam. Um dia seis policiais de Medellín apareceram mortos. A taxa total de mortes era de 350 para 10 mil habitantes, ou dez vezes superior à média das mais perigosas cidades dos EUA, como Baltimore. Seqüestros e guerras entre gangues devastaram todas as demais atividades, como a indústria têxtil, ou a construção de estradas e redes de esgotos.

Os moradores que habitavam os barracos na encosta das colinas da região de São Domingo queriam ir para seus locais de trabalho situados no vale. Mas para isso eles precisavam desperdiçar duas horas procurando um caminho que passava por um lixão ladeira abaixo.

O presidente Bill Clinton e legisladores dos dois partidos começaram a mudar esse quadro quando aprovaram uma lei destinada a prover recursos para a desmilitarização da Colômbia. Os colombianos fizeram a sua parte elegendo Uribe para presidente em 2002. Uribe desmobilizou dezenas de milhares de bandidos, convenceu-os a depor suas armas, a confessarem seus crimes e deu a eles salários para que pudessem começar suas vidas civis.

Medellín contribuiu escolhendo um prefeito reformista, um matemático com doutorado pela Universidade de Wisconsin chamado Sergio Fajardo. Fajardo trabalhou o tempo todo com a polícia com o propósito de retomar a cidade. Ele construiu bibliotecas para demonstrar que as quadrilhas não eram as únicas que podiam ajudar as comunidades. Fajardo também encontrou uma forma engenhosa para transportar os cidadãos encurralados nos morros - por teleféricos. Hoje, composições que comportam oito passageiros sobem e descem o morro sustentadas por um cabo - uma hipotenusa de transporte suburbano que muda o panorama urbano.

-------------------------------------------------------------------------------- Só alguém cínico como um personagem do HBO poderia negar o óbvio: o Congresso deve endossar o progresso da Colômbia agora e adotar o FTA --------------------------------------------------------------------------------

Fajardo diz que a provisão de recursos para o Metrocable de cabo e concreto não foi tarefa tão árdua: "É impressionante quanto dinheiro sobra para se gastar quando não o apropriamos para nós e nossos amigos".

O resultado de tudo isso é houve queda no número de assassinatos em Medellín. A 29 por 100 mil habitantes, a taxa de homicídios da cidade é inferior à de Baltimore. Uma nova paz permitiu que setores legítimos, como o de flores de corte e de têxteis, se expandissem em Medellín.

Com certeza, a queda na taxa da criminalidade não foi tão dramática no resto do país. Além disso, as pessoas que viviam de ajudas de custo poderiam voltar a pegar em armas. O progresso da Colômbia está longe de ser irreversível.

Para completar a virada, a Colômbia precisa manter mais negócios com os EUA. O FTA poderia ajudar, tornando permanentes as reduções de tarifas que atualmente exigem renovações periódicas. Hoje os produtores têxteis sofrem com a concorrência com a China porque as tarifas de importação para os EUA são muito altas. O FTA reduziria essas tarifas. Na Colômbia os legisladores já fizeram a sua parte, aprovando o acordo que Uribe negociou com os EUA.

Resumindo, os colombianos não estão pedindo este acordo de comércio - eles estão implorando por ele. Para eles, é Washington que parece estar iludindo. "Concedam-nos essa oportunidade de FTA", disse um dos homens desmobilizados aos americanos na viagem a Gutierrez. "A inação dos EUA poderá nos prejudicar", disse Fajardo.

Pelosi preferiu repreender Uribe publicamente, quando este visitou os EUA na primavera passada. Outros democratas estão preferindo dar ouvidos às advertências da AFL-CIO, apesar de os líderes sindicais do setor privado da Colômbia apoiarem o FTA. Eles admitem as mortes, mas não acreditam que Uribe seja responsável por elas. Os contrários ao FTA são trabalhadores sindicalizados do setor público, cujos postos de trabalho provavelmente serão menos afetados.

Só alguém cínico como um personagem do HBO poderia negar o óbvio: o Congresso deve endossar o progresso da Colômbia agora e deve adotar o FTA. Assim que o ano novo começar, as eleições primárias presidenciais passarão a preocupar os americanos, e os defensores do FTA na Colômbia precisarão esperar mais 12 meses para que ocorra uma mudança. A desilusão aumentará.

A saída de cena de Fidel Castro está gerando um vácuo de poder na América Latina, observa o senador Robert Bennett pelo Estado de Utah, que participou da delegação que viajou para ver Gutierrez. Os EUA podem preencher esse vácuo.

"Se recuarmos, Hugo Chávez preencherá o vácuo, e Chávez é Castro com petróleo", diz Bennett. Ignorar Medellín significa criar o roteiro para o próximo seriado - "Hemisfério Desgostoso".