Título: Copom não irá interromper ciclo de cortes da Selic, crêem analistas
Autor: Guimarães, Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2007, finanças, p. C1

O cenário externo bem mais positivo após a decisão surpreendente do Federal Reserve (Fed) de cortar o juro básico em 0,50 ponto alterou as apostas preliminares para a próxima reunião do Copom. Depois da última ata, indicando graves preocupações do Banco Central em relação aos perigos de uma inflação de demanda, os analistas de dividiram quanto ao resultado da próxima reunião, em 17 de outubro. A maior parte passou a acreditar na interrupção do ciclo de baixas iniciado em setembro de 2005. Depois do Fed, o placar mudou. Agora, a maioria aposta na continuidade, ou seja, em nova queda de 0,25 ponto, com a Selic recuando para 11%. Dos 12 analistas consultados pelo Valor, 8 defendem o corte e apenas quatro apostam na manutenção da Selic em 11,25%.

Para Paulo Tenani, estrategista-chefe do UBS Welth Management, que antes do Fed previa mais duas baixas de 0,25 ponto da Selic, se o corte de juro nos EUA provocar uma forte entrada de capitais no Brasil que desvalorize o dólar para a faixa de R$ 1,80, o Copom terá de voltar a pensar em aumentar o ritmo de corte para 0,50 ponto. Segundo o economista, ainda há muito espaço para se cortar o juro básico. Pelas suas contas, a taxa Selic de equilíbrio está em 9,5% e caindo. Trata-se da taxa neutra que compensa o risco cambial implícito no ingresso de capital externo.

O economista-chefe da Gradual Corretora, Pedro Paulo B. da Silveira, mudou a sua projeção para o próximo Copom depois da decisão surpreendente do Fed. Antes, apostava na manutenção da Selic em 11,25%. Agora, vê claros espaços para a continuidade do movimento de queda de 0,25 ponto. "Acredito que o mercado externo ficará menos volátil daqui para a frente. O câmbio irá se apreciar, sufocando as pressões inflacionárias denunciadas na última ata do Copom", diz o economista. Para Silveira, as argumentações contidas na última ata, e que conduziram a maior parte do mercado a suspeitar que o BC estava planejando parar de cortar o juro, foram apenas acessórias. Na verdade, o que pesou mesmo na redação da ata foi a crise externa. Se esta de fato refluir, o BC não terá receio em continuar a testar níveis mais baixos para os juros. "Não estamos num ciclo qualquer de corte de juros. Trata-se de um ciclo histórico, como jamais ocorreu. E o BC precisa saber até onde pode ir. Não é qualquer revés que irá forçá-lo a interromper a série", diz Silveira.

A inesperada decisão do Fed apenas reforçou a projeção do economista-chefe da consultoria UP Trend, Jason Vieira, de que o Copom irá insistir em sua próxima reunião no ritmo de baixa de 0,25 ponto. O novo cenário externo reintroduz a taxa de câmbio como principal coadjuvante no combate à inflação. O real valorizado atuará para frear os preços numa conjuntura que, para Vieira, nunca configurou uma inflação de demanda. "Não se está diante de um crescimento econômico potencialmente perigoso. A inflação é pontual e ainda de oferta, fácil de ser controlada", diz Vieira.

A melhora dos mercados após a reunião do Fed não alterou a expectativa de manutenção da Selic em 11,25% no próximo Copom do economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles. O analista reconhece que a alteração no cenário externo aumentou a possibilidade de o BC continuar no ciclo de corte, mas a sinalização de que pararia foi tão forte que uma alteração de última hora poderia ser danosa à credibilidade da autoridade monetária.

O consultor Miguel Daoud, diretor da Global Financial Advisor, diz que o Brasil permanecerá deslocado da crise externa. Da mesma forma que os efeitos deletérios não provocaram disparada do dólar, o novo cenário não deve resultar em onda duradoura de otimismo. "O Fed melhorou o humor do mercado, mas não acabou com a crise", diz ele. Por isso permanece o quadro pintado pelo Copom em sua última ata. Dificilmente, o Comitê decidirá diferente da sinalização de estabilidade.

Sergio Vale, da MB Associados, vê a decisão do Fed de cortar o juro em velocidade maior do que a prevista pela maioria do mercado como um sinal preocupante, o de que já podem estar visíveis e mais claros (pelo menos para o Fed, quem mais detém informações) os contornos de uma recessão econômica. "Isto já estava no radar há algumas semanas e vários dados de emprego e confiança do consumidor apontavam para essa possibilidade. A queda de 0,50 ponto pode consolidar essa visão", diz Vale. Em face da defasagem na transmissão das decisões de política monetária, a queda do juro demorará para fazer efeito. Ainda sairão indicadores americanos muito ruins. "Em outubro sairão os dados consolidados do terceiro trimestre e não devem ser nada bons. Isso pode continuar trazendo turbulência ao mercado, além do fato de que a questão do subprime não acabou ainda. Tem muita gente que tem hipotecas com taxas reajustáveis que ainda não entraram nos reajustes de juros, o que deve acontecer até o começo do ano que vem", lembra Vale.

E o Copom se defronta com um problema que não foi importado dos EUA. Trata-se de uma expansão de demanda com potencial para pressionar a inflação. O IPCA mais baixo em setembro e o PIB mais fraco no terceiro trimestre, não devem mudar a decisão já indicada pelo BC de estabilidade da Selic.

Para Marcelo Ribeiro, economista da Pentágono Asset, ainda é cedo para se concluir que a crise acabou. A avaliação da confiança dos investidores tem de ser feita diariamente. "Esta é uma crise de liquidez mas também é uma crise de confiança. As instituições receberam liquidez dos bancos centrais de todo o mundo mas perderam a confiança em emprestar", diz Ribeiro. O Fed não tem capacidade para deter a queda dos preços dos imóveis que lastreiam os instrumentos financeiros estruturados a partir do setor imobiliário. "Os preços continuarão caindo e os devedores permanecem insolventes. Isso não mudou", diz.