Título: Liquidez vitaminada
Autor: Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2007, EU & Investimento, p. D1

Os investidores que adquiriram ações em ofertas públicas iniciais (IPOs) neste ano têm menos dificuldades para converter seus investimentos em dinheiro vivo. Assim como se tornou praticamente regra para as novas companhias abertas respeitar certos critérios de governança corporativa, quase todas as empresas que rumaram para a bolsa passaram a adotar um formador de mercado, ou "market maker". São corretoras que executam o papel de comprar ou vender os papéis das empresas numa determinada faixa de preço. Ao oferecer certas garantias de liquidez, o formador também ajuda a aproximar a ação do seu preço justo - reduzindo o desconto relativo à dificuldade de vender o papel - e a diminuir sua volatilidade.

O número de "market makers" quase dobrou neste ano. No ano passado, eram apenas 26 as empresas que contavam com formador. Até ontem, eram 48 ações, mais os Papéis Índice Brasil Bovespa (PIBB) e quatro debêntures. Apenas nos últimos cinco dias, mais quatro empresas anunciaram a contratação do serviço. E, segundo Vitor Roquete, sócio-diretor da corretora Ágora, pelo menos 11 empresas negociam a contratação de formadores.

A procura por esse serviço é puxada principalmente pelas empresas novatas na Bovespa. Segundo Manuel Maria Fernandez, diretor da UBS Pactual Corretora, é normal que, após o IPO, a empresa deixe de ser uma novidade na bolsa e, portanto, sua liquidez caia. "Já chegamos a atuar, na ponta compradora ou vendedora, em cerca de sete a cada dez negócios fechados com ações de uma empresa durante algum período", diz. "Quanto menor a liquidez do papel, maior é a presença do formador."

O desinteresse do investidor no período pós-IPO pode abalar negativamente o preço do papel e jogar por terra parte do valor pago na oferta pública. Por isso, praticamente todas as ofertas contam com uma espécie de formador para atuar no primeiro mês para tentar evitar essa queda relativamente normal. Nesse intervalo, o formador leva o nome de estabilizador, mas, depois que esse período acaba, o volume pode cair e prejudicar empresa e investidores. As novatas também não são ainda muito familiares dos analistas, que cumprem a função de aconselhar sobre o papel.

O formador reduz a oscilação dos preços, principalmente na abertura e no fechamento do pregão, diz Eduardo Cytrynowicz, diretor-adjunto de relações com investidores da Even Construtora e Incorporadora. Ele diz que, com a adoção do formador, o spread (diferença entre os preços de ofertas de compra e venda dos papéis) da empresa foi reduzido e, com isso, também a oscilação do papel. A Even foi ao mercado em abril e, em junho, contratou o UBS Pactual como formador. Fernandez lembra ainda que a adoção de formador de mercado evita a manipulação de preços por especuladores.

A avaliação dos resultados do formador para a liquidez e a oscilação do papel, porém, não é simples, diz Roquete. "Não há como afirmar que a liquidez subiu por nossa causa ou porque o mercado todo ficou mais ativo", afirma. No entanto, comparando o volume e o número de negócios firmados nos dias imediatamente anteriores e posteriores à contratação, há em geral uma melhora.

Estudo feito pelo Valor com dados da Economática com ações de quatro empresas mais antigas do mercado que adotaram o "market maker" este ano (portanto, com histórico razoável) mostra que três tiveram aumento na média diária de negócios. Comparando o número de papéis negociados, há aumento em dois casos.

O formador é um dos elementos de governança, mas não é o único, diz Geraldo Soares, presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri). As empresas podem tomar outras atitudes - como dividir seus lotes de ações para o preço cair e dar acesso a mais investidores. "Muitas vezes, o formador faz parte de uma estratégia que engloba outras atitudes."

A grande satisfação de empresas, formadores e acionistas ocorre quando as ações ingressam ou ganham espaço em alguns dos índices da Bovespa. Cada passo significa crescimento praticamente certo da procura pelo papel e, por conseqüência, mais liquidez e eventual aumento da cotação. Apenas neste ano, empresas como Gafisa, CPFL Energia e tantas outras conquistaram espaços em algum dos índices. No ano seguinte em que adotou um formador, o Unibanco elevou de 54 para 191 a média de negócios diários na Bovespa e em 56% o volume financeiro, conquistando espaço em todos os principais índices.

A expansão dos formadores não só agrada às empresas, como abre espaço para novas corretoras atuarem nesse mercado. Além de UBS Pactual e Ágora, o Credit Suisse começou recentemente a atuar na área. Só na semana passada, o CS foi contratado por Camargo Corrêa e Triunfo Participações. Na carteira já estavam também a Energias do Brasil, o Banco Pine e a Agra Incorporadora. "Com o 'market maker', a tendência é de as ações terem uma negociação melhor e não ficarem esquecidas, isso tem valor para as empresas", diz o diretor de renda variável para América Latina do CS, Marcelo Kayath. A intenção, conta o executivo, é não expandir muito o radar de atuação, prestando esse tipo de serviço para algo entre 10 e 15 companhias. "Mais do que isso, o formador começa a não prestar muita atenção no que acontece com o papel."

Para Gilberto Biojone, superintendente da Associação Nacional das Corretoras de Valores (Ancor), a contratação dos formadores por parte das empresas dá um sinal de que há um comprometimento com o mercado e a governança corporativa. Segundo ele, foi o formador de mercado, por exemplo, que ajudou a Nasdaq a conquistar, em cerca de uma década, volume de negócios similar ao que a Bolsa de Nova York (Nyse) levou séculos.

O exemplo pode valer também para que o investidor entenda que o "market maker", contudo, não é garantia contra eventuais perdas ou prejuízos com o papel, dado que a Nasdaq teve perdas iguais ou até mais bruscas e elevadas do que a Nyse nos últimos anos. (Colaboraram Adriana Cotias e Graziella Valenti)