Título: Zuanazzi sai da Anac e diz que Jobim não entende de aviação
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2007, Brasil, p. A4

Com um tiroteio verbal direcionado ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, Milton Zuanazzi renunciou ontem à presidência da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), após três meses de pressões por sua demissão. Zuanazzi afirmou que Jobim impõe restrições "temerárias" ao futuro do setor aéreo, "não entende de aviação" e "age como se não tivesse lei". Ao especificar quais são essas restrições, citou medidas que limitam o uso dos aviões e a oferta de assentos, resultando em aumento de tarifas e falta de acesso da classe média baixa ao transporte aéreo.

Zuanazzi, que deve ser substituído pela economista Solange Vieira, disse que preferiu não continuar na diretoria colegiada da agência por discordar de Jobim. "Estou saindo porque não gostaria de trabalhar com ele. Ele está impondo um conjunto de propostas temerárias", atacou Zuanazzi, durante a apresentação de um balanço dos 19 meses em que se manteve à frente da Anac. "Não quero sair daqui escorraçado."

Jobim foi irônico ao comentar a renúncia e prometeu que a crise aérea termina em 15 de março. "O senhor Milton Zuanazzi disse que não gosta de trabalhar comigo e efetivamente não vai, porque o nosso trinômio é segurança, regularidade e pontualidade. E se não servia esse método, então viramos a página", comentou o ministro, após uma audiência pública na Câmara dos Deputados. Ao fim da alta temporada de 2008, segundo Jobim, os passageiros voltarão a encontrar a paz nos aeroportos.

A saída de Zuanazzi encerra pouco mais de 90 dias em que os dois vivenciaram um mal-estar mútuo. O clima ruim entre eles começou logo na primeira reunião do Conselho de Aviação Civil (Conac) após a posse de Jobim, em julho, quando o novo ministro se irritou com as apresentações de Zuanazzi sobre o caos aéreo. A novela em torno da renúncia de Zuanazzi ganhou contornos políticos com a disputa envolvendo o PT do Rio Grande do Sul, ao qual ele é filiado, e o PMDB do Estado, sobre o qual Jobim tem ascensão.

Zuanazzi afirmou que se manteve no comando da Anac, apesar dos pedidos do ministro para sair, por causa do espírito de servidor público e porque a agência não poderia ter ficado acéfala, sem diretores. "Eu até entendo o ministro, ele não conhece aviação", desdenhou. "Não há uma importação de peça, uma exportação de equipamento da Embraer ou da Helibrás sem passar pela Anac", acrescentou.

Ele criticou principalmente as pressões de uma "agenda oculta" que defende o retorno do transporte aéreo a um modelo de alto custo, sem popularização. "Tem gente que não gosta de pobre, que reclama que os aeroportos viraram rodoviária", disse Zuanazzi, sem citar o nome de Jobim, mas despreocupado em evitar a associação das críticas ao nome do ministro. Ele mesmo lembrou a situação em que a Anac foi criticada por causa do pouco espaço entre as poltronas. "Eu adoraria viajar num assento de primeira classe sempre, num assento largo na ponte-aérea, mas tudo tem um preço", provocou Zuanazzi. Segundo ele, o efeito das medidas propostas por Jobim será o encarecimento das passagens aéreas.

Zuanazzi, oriundo do setor de turismo, demonstrou preocupação com os reflexos dessa política para sua antiga área. Ele afirmou que, após cumprir quarentena, pretende dedicar-se a lecionar em universidades e a atuar em turismo, na esfera privada. "Não aceito nem sondagem de empresa aérea", avisou o engenheiro.

Durante a entrevista em que anunciou sua renúncia, Zuanazzi confirmou ter contrariado pareceres técnicos da própria Anac que sugeriam a suspensão total de vôos e vendas de passagens da BRA. O Valor noticiou a informação na edição de ontem. Há três semanas, ele disse ter recebido a diretoria da empresa e cobrado a solução dos problemas em 48 horas. Como resultado, ele disse que a empresa aérea reduziu sua malha, de dez para cinco aviões, e melhorou seu desempenho, evitando intervenção mais radical. "Estamos tranqüilos com a operação dela hoje e atentos se a empresa falhar", garantiu Zuanazzi.

Já foram nomeados, para recompor a diretoria colegiada da Anac Allemander Pereira Filho, Marcelo Pacheco dos Guaranys e Alexandre Barros. As nomeações dão novamente à agência o quórum para tomar decisões. Nos próximos dias deve sair a indicação, para o Senado, de Solange Vieira para presidir o órgão regulador. Ela está atualmente à frente da recém-criada Secretaria de Aviação Civil do Ministério da Defesa.

Zuanazzi foi a quinta e última renúncia da primeira diretoria da Anac, que tomou posse em março de 2006. Faziam parte dela Denise Abreu, Leur Lomanto, Jorge Velozo e Josef Barat. Eles caíram, um a um, após a tragédia com o vôo 3054 da TAM, em julho.