Título: Cunha Lima renuncia para escapar do foro privilegiado
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2007, Política, p. A5

O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), chamou de "escárnio" a renúncia do deputado federal e ex-governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima (PSDB). Barbosa avaliou que Cunha Lima renunciou na véspera do julgamento em que poderia ser condenado por tentativa de homicídio. Ele é acusado de balear Tarcísio Buriti, seu adversário político e também ex-governador da Paraíba, em 5 de dezembro de 1993, em um restaurante, em João Pessoa. Na época, Cunha Lima era governador e, por isto, tinha direito a foro privilegiado junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Um ano depois, foi eleito senador e obteve foro perante o STF.

Joaquim Barbosa é o relator do processo no tribunal e concluiu que Cunha Lima utilizou todos os subterfúgios possíveis para prolongar o processo para, agora, na véspera do julgamento, marcado para segunda-feira, renunciar para perder o direito a foro privilegiado. Com isso, o ex-governador impediu a realização do julgamento pelo STF, pois o processo terá de voltar para a 1ª instância, na Paraíba.

"O ato dele é um escárnio para com a Justiça brasileira em geral e para com o Supremo em particular", criticou Barbosa. "Este homem manobrou e usou de chicanas por 14 anos para fugir do julgamento", continuou o ministro do STF. "Agora o processo volta à 1ª instância e terá de percorrer tudo de novo. Vai demorar mais 15 anos para julgar."

Barbosa disse que o caso de Cunha Lima é um forte exemplo de que o foro privilegiado tem que acabar no Brasil. Ele ressaltou que o processo chegou ao STF em 1995. Antes, estava no STJ porque Cunha Lima era governador. A denúncia só foi recebida pelo STF em 2002 por causa de uma alteração na Constituição. Em dezembro de 2001, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 35 determinando que o Supremo não precisava de autorização do Congresso para aceitar denúncia contra parlamentares. Somente depois deste emenda o STF aceitou, em agosto de 2002, a denúncia contra Cunha Lima. Antes, o tribunal não podia tomar providências, sem a autorização do Congresso. Depois de aceitar a denúncia, o STF teve de ouvir as testemunhas e abrir prazos para a produção de provas. Agora, que concluiu a longa instrução do processo, o tribunal estava pronto para julgá-lo. Mas, não poderá fazê-lo por causa da renúncia do deputado. "Ele (Cunha Lima) tem direito a renunciar", considerou Barbosa. "Mas, é evidente a segunda intenção. O objetivo é impedir que a Justiça funcione."

Joaquim Barbosa é um dos ministros mais críticos quanto ao foro privilegiado. Relator do processo do mensalão, ele acredita que as autoridades políticas e os ministros devem ser julgados na 1ª instância, como ocorre com todas as pessoas acusadas de crimes.

Com a renúncia de Cunha Lima, Barbosa espera que a 1ª instância da Justiça da Paraíba, onde o acusado foi eleito para diversos cargos importantes, tenha condições de analisar o caso com a independência necessária. "Espero que haja juízes corajosos e independentes na Paraíba para julgá-lo."