Título: Brasil acusa EUA de fazer propaganda
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2007, Brasil, p. A6

O Brasil convocou a imprensa internacional ontem em Genebra para reagir à "pura propaganda" feita pelos Estados Unidos, principalmente, de que o país e outros emergentes estariam empurrando a Rodada Doha para o fiasco ao resistirem à liberalização na área industrial. O subsecretário-geral de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Roberto Azevedo, retrucou que o país está negociando com os EUA sem o TPA (autorização do Congresso para negociar), para dar uma chance ao sucesso da rodada e que Washington não está fazendo as concessões que propaga.

Azevedo exemplificou que na negociação agrícola, no centro da rodada, Washington tenta ampliar, e não baixar, subsídios para produtos como algodão e soja. "Eles querem fazer um acordo agrícola que acomode seus interesses, mas exigem apoio incondicional ao texto industrial, que é muito ambicioso. Isso é injusto, irrazoável e irracional", afirmou. "Se quiséssemos matar a rodada, a ausência do TPA teria sido a desculpa perfeita. Não fizemos isso. Resolvemos continuar trabalhando e continuamos confiando em avanço, mas os sinais não são encorajadores com todas essas informações enganosas", disse o diplomata.

"Dessa maneira, não teremos rodada", disse o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, ao comentar o rumo que estão tomando as discussões e pressões na OMC. Os países em desenvolvimento serão obrigados a tomar posições "mais radicais" do que pretendiam nas negociações de Doha se os países ricos continuarem fazendo "guerra de mídia" para ganhar a simpatia dos jornais financeiros internacionais, afirmou Amorim. Ele acusou os países desenvolvidos de propor um esquema "injusto e incorreto" para as negociações, em que fazem promessas "obscuras" e exigem, em troca, compromissos bem definidos dos países em desenvolvimento.

Amorim comentou que as concessões feitas em agricultura incluem ressalvas para proteger as "sensibilidades" dos países desenvolvidos que impedem uma noção clara dos possíveis ganhos para países exportadores de alimentos, como Brasil e Argentina. O Japão quer permissão para manter tetos de importação, a Europa não esclarece como administrará as cotas de importação que oferece em troca da manutenção de altas tarifas de importação e os EUA, além de não deixar claro o alcance do corte que se dispõem a fazer nos subsídios agrícolas, querem dispositivos para proteger cada produto considerado sensível, exemplificou.

Amorim disse reconhecer os avanços políticos, como a oferta dos EUA de cortar seus subsídios em volume maior do que estavam dispostos anteriormente. "Mas não é nem justo, nem correto, colocar todas as pressões sobre o comércio de produtos industriais", disse, em referência às pressões da Europa e dos EUA para que o Brasil pressione os demais países em desenvolvimento por redução maior nas tarifas industriais.

No Mercosul, os países têm tarifas máximas registradas (consolidadas) diferentes na OMC, o que, dependendo do resultado das negociações sobre produtos industriais, poderia comprometer a manutenção da tarifa externa comum dos países do bloco, argumentou Amorim. Sem levar essa particularidade em conta, o Brasil não poderá aceitar o acordo na Rodada Doha, explicou.

O Brasil até agora não estava respondendo às acusações para não prejudicar o clima na negociação, afirmou o subsecretário-geral de assuntos econômicos do Itamaraty, Roberto Azevedo, mas agora, segundo ele, não dá mais para ficar calado. Os EUA e a União Européia cobram dos presidentes do Brasil, África do Sul e Índia, que se encontrarão dia 17 em Pretoria, a aceitação do texto da negociação industrial. Mas Azevedo foi incisivo: "O Brasil não vai dizer de jeito nenhum se aceita o texto industrial, com o tamanho dos cortes e as flexibilidades, até saber o que pode ganhar na área agrícola."

As próximas versões dos textos para acordos agrícola e industrial, que serão divulgadas ao mesmo tempo no começo de novembro, serão decisivas. Os grupos em desenvolvimento, com cerca de 90 países, fizeram proposta pedindo profundas alterações para permitir flexibilidade adicional para suas indústrias. Houve enorme pressão para países pobres não assinarem a proposta, com ameaças de retaliação e suspensão de ajuda, mas esses países foram adiante.

Americanos e europeus reagiram duramente, acusando Brasil, Argentina, África do Sul e Índia de articularem um documento que ameaça a rodada. "Não é uma proposta do Brasil ou da Índia, mas da maioria dos países que tem problemas com o texto industrial", diz o embaixador da Venezuela, Oscar Carvalho. Para Azevedo, a maior assimetria é que americanos e europeus, que dizem acatar o texto agrícola, na realidade querem alterá-lo para beneficiar seus agricultores, enquanto insistem que o texto industrial é pegar ou largar.

Americanos e europeus "dão com uma mão e retiram com a outra" na área agrícola, disse Azevedo. Exemplificou que, mesmo se os EUA aceitarem limitar seus subsídios na cifra menor, de US$ 13 bilhões, significa pouco se não houver limites por produto. Ocorre que os americanos defendem outro período-base para calcular esses limites, que aumentariam a ajuda em 20,7% para algodão, 23,5% para soja, 83% para milho, 37,9% para arroz e 11% para trigo.

A UE diz aceitar corte tarifário maior, mas anula essa concessão graças a uma escapatória para proteger produtos sensíveis. Um corte de 70% nas tarifas altas fica em apenas 24% para carne bovina, mantendo a barreira ao produto brasileiro, acrescentou o diplomata.

Pela negociação atual, a tarifa máxima de importação industrial no Brasil deveria ficar em 23%, enquanto a alíquota agrícola de 800% seria mantida por um país rico como Noruega. Na área industrial, os subsídios só podem chegar a 5% e os EUA querem aumentar a lista de ajudas proibidas para o setor. Ao mesmo tempo, os EUA querem dar subvenções superiores a 100% para seus cotonicultores.

O Brasil calculou que, se os cortes exigidos em suas tarifas industriais aplicadas fossem utilizadas nos países industrializados, o aumento do comércio seria muito maior nos países em desenvolvimento dos que nos ricos. Azevedo alertou que, se o mediador industrial não levar em conta preocupações dos grupos em desenvolvimento, "será arriscado para dizer o mínimo". (Colaborou Sergio Leo, de Brasília)