Título: Aneel vê risco e quer térmicas operando
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2007, Especial, p. A14

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) considera indispensável manter ligadas as usinas térmicas para evitar problemas no fornecimento de eletricidade em 2008. Os reservatórios das hidrelétricas ainda estão em nível satisfatório, mas a avaliação das autoridades do setor é de que podem cair se o período de chuvas for fraco. Em outubro, as precipitações ficaram em apenas 56% da média histórica nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, 57% no Nordeste e 64% no Sul.

O sinal mais enfático da preocupação do mercado com a situação dos reservatórios é o preço da energia no mercado "spot", que vem sendo negociado esta semana a R$ 237 por megawatt-hora (MWh) - valor mais alto desde o fim do racionamento, em 2002. Há um ano, estava em R$ 82/MWh. A tendência é de que os preços recuem rapidamente, mas tudo depende do regime de chuvas.

O cenário do conjunto dos reservatórios é tranqüilizador. No Sudeste-Centro Oeste a energia armazenada em outubro era de 52% da capacidade dos reservatórios, acima dos 45% de 2006. No Sul (em risco de racionamento em 2006), o nível atual é de 60%, quase 50% acima do do ano passado. No Nordeste ele é menor (de 52% para 40%) e no Norte, está idêntico. Algumas bacias, contudo, chegaram ao fim do período seco bastante esvaziadas. É o caso da bacia do Iguaçu, segunda mais importante da região Sul, com apenas 35% de sua capacidade; da bacia do Tocantins, no Centro-Oeste, com 37%; e da bacia do rio São Francisco, principal do Nordeste, com 40%.

Fontes do setor elétrico observam que as represas são muito sensíveis às precipitações e podem esvaziar rapidamente caso as chuvas sejam fracas. É por isso que a Aneel insiste na necessidade de usar as térmicas movidas a gás natural agora, sem esperar a queda dos reservatórios. Se deixar isso acontecer, pode ser tarde demais para evitar problemas no período seco de 2008. Para a agência, não se deve cair na "tentação" de usar a "poupança hidrelétrica" disponível hoje nos reservatórios. "Esse raciocínio tem que ser evitado", disse, na terça, o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman. "As térmicas são disparadas muito antes de que os reservatórios vazios exijam", frisou.

O Valor apurou que tanto a Aneel quanto o Ministério de Minas e Energia defendem que, se algum corte no fornecimento de gás for necessário para abastecer as usinas termelétricas, ele deveria atingir prioritariamente o insumo destinado à frota de veículos, principalmente táxis, em Estados como o Rio de Janeiro. A medida é impopular, mas as autoridades em Brasília acreditam que ela se tornaria menos indigesta mediante um compromisso da Petrobras e das distribuidoras de que, após um tempo de escassez no abastecimento, o gás natural veicular (GNV) voltaria a ser oferecido a preços mais módicos quando houver alta na produção nacional.

Mas tudo depende da Petrobras e o ministério afirmou ontem tratar-se de um "problema comercial" e que, por isso, acompanha a situação. A Aneel está disposta a renegociar o termo de compromisso firmado no primeiro semestre com a Petrobras, que obriga a estatal a fornecer gás para 2,2 mil MW médios de energia térmica em 2007, aumentando progressivamente essa oferta até 6,6 mil MW médios em 2011. No ano passado, desconfiada de que não havia gás natural suficiente para acionar todas as usinas ao mesmo tempo, a Aneel fez um teste e verificou que sua suspeita estava correta.

A agência reguladora não se opõe a uma revisão para baixo da oferta de gás, mas entende que isso fará o risco de racionamento aumentar e levará a uma alta dos preços da energia no mercado "spot" - o reflexo mais imediato de como indústrias e especialistas percebem as chances de um apagão. Os preços já estão tão elevados que até a térmica de Araucária (PR), com 465 MW de potência, foi acionada. Ela gera energia a R$ 219/MWh e é a mais cara destas usinas. A Aneel só vai deixar claro, em contatos com a Petrobras, que não aceitará um termo de compromisso "fictício", com um número impreciso e com o qual as autoridades do setor não podem efetivamente contar para se planejar.

Em meio à desconfiança que recai sobre a atuação da Petrobras, a Comissão de Minas e Energia deverá fechar o cerco à estatal. O deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), um dos membros mais ativos da comissão, apresentou requerimento em que pede o depoimento da diretora de Gás e Energia da Petrobras, Maria das Graças Foster, e informações do ministério. "O governo e a Petrobras estão tentando tapar o sol com a peneira", diz ele.

Segundo Jardim, parlamentares ligados à estatal conseguiram juntar assinaturas de 10% dos deputados para evitar a aprovação da Lei do Gás, em caráter terminativo, como ocorreu em comissão especial. O objetivo da Petrobras, vê Jardim, era evitar a abertura do mercado e dar poderes ao Ministério de Minas e Energia para formular um plano de contingência ao setor. Ao fim de um intensa negociação, essas assinaturas foram retiradas.