Título: No novo solo, o perigo da reocupação
Autor: Álvares, Débora; Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 20/01/2011, Brasil, p. 10

Situação da terra nas áreas atingidas pelas chuvas se complica por causa da alteração do curso do rio. Reconstruir pode ser erro fatal

Enviada especial Ocupações mal planejadas de terrenos podem levar a tragédias como a ocorrida na região serrana do Rio de Janeiro na última semana. Mas há uma nova preocupação em relação à reconstrução do local. Muitas vilas não poderão ser reocupadas após a devastação causada pelas chuvas. ¿Deve-se fazer um mapeamento e identificar as áreas de encontros de montanhas, que são prováveis pontos de deslizamentos. Em hipótese nenhuma elas podem ser habitadas¿, explica o secretário executivo da Associação Brasileira de Mecânica do Solo e Engenharia Geotécnica, Carlos Medeiros.

Medeiros esteve em Nova Friburgo para acompanhar o trabalho das equipes de resgate às vítimas dos deslizamentos. Segundo o geotecnicista, vidas teriam sido poupadas caso houvesse um sistema para alertar sobre as chuvas. ¿O que aconteceu foi imprevisível, mas a implantação de sistemas de investigação de risco teria evitado uma tragédia desta proporção.¿

Mesmo após o trauma de ver a vida destruída com a força da chuva, moradores da cidade preferem ignorar o alerta de especialistas e tentam retomar a rotina onde moravam. A costureira Eunice da Silveira Pontes, moradora de Vieira, bairro de Teresópolis, teve a casa alagada e, quando o nível da água baixou, viu o córrego que passava atrás de seu terreno transformado em um rio. Mesmo com o risco de ter o local novamente inundado, ela voltou para casa, onde permanece com o marido. ¿Vou ter que começar do zero, mas vou conseguir¿, diz. Para o geotecnicista, reocupar as regiões de risco deve ser a última alternativa. ¿Onde não for possível retirar famílias, aí sim, fazer obras de engenharia ¿ que são caríssimas ¿ e criar mecanismos para fazer com que a população se retire ao menor alerta de risco¿, explica.

A situação do solo na região serrana do Rio se complica pela alteração do curso de rios, como o que passa atrás da casa de Eunice da Silveira, ou o córrego Dantas, em Nova Friburgo, que antes era um riacho de 4m de largura por 2m de profundidade e passou a ter 100m por 8m, como explica o professor do departamento de geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Marcelo Motta. ¿A bacia hidrográfica passou a ser outra, e isso altera também o ecossistema. Vamos ter de refazer o desenho dos rios nos mapas e acrescentar ilhas fluviais que nunca existiram. E não há como voltar ao traçado antigo porque muitos dos sobreviventes foram parar nessas ilhas.¿