Título: Com térmicas, país dobrará a emissão de poluentes em 10 anos
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2007, Brasil, p. A5

Mesmo com a construção das usinas do Madeira e de Belo Monte, além do reator nuclear de Angra 3, o Brasil mais do que dobrará, nos próximos dez anos, as emissões de gases do efeito estufa produzidos a partir da geração de energia térmica. A contribuição ao aquecimento global, embora discreta se comparada à dos países ricos, é um dos efeitos mais nocivos da crescente presença de fontes poluentes na matriz elétrica do país.

Dos 13.833 megawatts (MW) de energia térmica que devem entrar em operação até 2016, segundo estimativas do próprio governo, 63% são provenientes de combustíveis fósseis (carvão mineral, gás natural, óleo combustível e diesel). O restante das térmicas é de geração nuclear ou de biomassa.

As emissões de gases poluentes devem alcançar 44 milhões de toneladas de CO2 equivalente - medida que unifica o impacto dos vários gases causadores do efeito estufa) em 2016 -, aumento de 130% na comparação com as 19 milhões de toneladas previstas para 2007. No período, diminuirá de 84% para 69% a participação da energia hídrica na matriz brasileira. Em contraste, a fatia das térmicas crescerá de 15% para 29%, segundo planejamento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

No acumulado dos próximos dez anos, a operação das térmicas jogará na atmosfera cerca de 303 milhões de toneladas de CO2 equivalente. Isso representa mais do que a emissão anual de gás carbônico provocada pelo desmatamento da Amazônia, estimada em 200 milhões de toneladas.

O setor elétrico está longe do título de grande responsável pela contribuição do Brasil às mudanças climáticas. De acordo com o Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o mais abrangente relatório já produzido pelo governo brasileiro sobre o assunto, a queimada de florestas representa cerca de 75% das emissões de carbono do país.

Mas as usinas termelétricas começam a ostentar a desagradável imagem de vilãs, e sua expansão no país, na contramão dos esforços para amenizar o aquecimento global, pode comprometer a fama brasileira de ter matriz elétrica limpa. Além de mais sujas, as térmicas movidas a combustíveis fósseis costumam ser mais caras do que a energia de fonte hídrica e são ligadas como forma de dar mais segurança à operação do sistema.

As previsões da EPE sobre o nível de emissões produzido por elas já embutem estimativas preliminares de quando será preciso acioná-las - por exemplo, nos períodos de estiagem. Ou seja, essas previsões se baseiam não na capacidade instalada das usinas térmicas, mas na suposição de quando será necessário de fato ligá-las, por razões hidrológicas ou de preço.

Hoje, existem cerca de 77 mil MW de usinas hidrelétricas e outros 15 mil de termelétricas funcionando no país. A produção de energia hídrica deve subir para 109 mil MW no fim de 2016, graças principalmente à entrada em operação de grandes empreendimentos, como as usinas do rio Madeira, Belo Monte e o complexo do rio Teles Pires. Enquanto isso, a potência das térmicas deverá alcançar cerca de 28 mil MW.

O crescimento da participação das térmicas na matriz brasileira deve-se à "entressafra" vivida na oferta de hidrelétricas. Nos leilões de energia nova realizados desde 2005, foram negociados 9.676 MW médios - dos quais só 33% de fonte hídrica. Mais de 63% da energia veio de fontes poluentes.

Para Márcio Pereira Zimmermann, secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, o efeito dos últimos leilões para a piora da matriz brasileira é "irreversível". Ele considera, porém, a construção das usinas do Madeira como um "ponto de inflexão", por abrir caminho para a retomada dos grandes projetos. "Queremos licitar a hidrelétrica de Belo Monte em 2009 e estamos acelerando os estudos de viabilidade de São Luís dos Tapajós", afirma, referindo-se às próximas apostas do governo para atender à demanda.

Nos próximos dez anos, para afastar o risco de déficit de abastecimento, devem entrar em operação mais dez térmicas movidas a óleo combustível ou diesel, nove usinas a gás natural e outras quatro a carvão mineral, segundo o planejamento do ministério. Também será reforçada a geração de usinas térmicas a gás já existentes, conforme determina termo de compromisso firmado entre a Petrobras e a Aneel.

Zimmermann destaca que "a cesta de planejamento estava vazia" no início do governo Lula, com apenas 17 hidrelétricas projetadas, que somavam cerca de 3.300 MW de potência. Nem todas foram licitadas, por problemas no licenciamento ambiental, como Ipueiras (TO), Cambuci (RJ) e Barra do Pomba (RJ). Na avaliação do secretário, o esforço em licenciar empreendimentos de grande porte, como o complexo do Madeira e Belo Monte, compensa, porque permite acrescentar de uma só vez à matriz elétrica, uma capacidade maior do que as 17 usinas planejadas anteriormente.

Isso não significa desprezo pelos projetos menores, diz Zimmermann. Segundo ele, a retomada do planejamento fará o Brasil aumentar novamente a participação de fontes limpas na matriz. Serão acrescentados 120 mil MW de potência até 2030, dos quais apenas 30 mil MW são oriundos de térmicas - o restante é energia hídrica.

Mesmo entre as termelétricas, não há expansão somente de fontes sujas. O planejamento prevê novas usinas nucleares, a começar por Angra 3, cujos resultados do novo estudo para cálculo do preço da energia saem em novembro ou dezembro. O ministério contratou a empresa suíça Colenco para fazer esse cálculo e diz já ter estimativas preliminares de que o valor do megawatt-hora produzido por Angra 3 custará menos de R$ 140, assegurando a competitividade do próximo reator nuclear.