Título: Governo e oposição não querem reduzir tributação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2007, Opinião, p. A10

Paradoxal a começar do nome, pois de provisório já se vão 13 anos, a CPMF anima uma discussão na qual o interesse permanente, o do contribuinte, é o que menos conta. É certo que a extinção do imposto do cheque, de uma só tacada, seria um empreendimento de conseqüências incertas. Mas nunca antes, desde 1994, a elite dirigente deste país teve em mãos uma oportunidade - rara - de intervir no metabolismo tributário de modo a favorecer àqueles que trabalham e produzem e sempre são convocados a pagar pelas estripulias do Estado.

O que prevalece no debate público e entre paredes, porém, é o interesse dos governantes. Os de plantão e os que têm a expectativa de poder. PT e PSDB são a sua mais perfeita tradução: o governo, por um insaciável apetite pelo aumento do gasto público não só para investimentos, mas também com as despesas correntes, prossegue na trilha do ajuste fiscal pelo aumento das receitas; os tucanos, menos por crise de identidade e mais pela esperança de retomada do Palácio nas eleições de 2010. Falta a ambos a vontade de enfrentar a discussão sobre a baixa eficiência do gasto público.

Na Câmara - onde maioria é sólida enquanto o Tesouro se dissolve no ar - o governo se recusou a fazer qualquer concessão para prorrogação da CPMF. No Senado, contudo, o Planalto precisa do PSDB para assegurar a aprovação da emenda constitucional para garantir a cobrança da CPMF por mais quatro anos. Apesar de uma decisão contrária de sua Comissão Executiva Nacional, os senadores tucanos tremeram nas bases, menos por se considerarem responsáveis pela criatura e mais por temerem rechear os cofres do lulismo-petismo para as eleições de 2008 e 2010. Por isso, querem partilhar esses recursos com o governo e este ofereceu ao PSDB um pacote de medidas ao custo de R$ 8 bilhões no ano que vem, seja isentando da CPMF os contribuintes que recebem até R$ 1.640, seja acenando com mais desonerações setoriais de impostos. Nesse debate, em nenhum momento levaram a público alguma consideração com o contribuinte que é descontado compulsoriamente em 0,38% num cheque emitido até mesmo para pagar outros impostos, como o IRPF e o IPTU, por exemplo.

Sem pretextos para justificar o voto na prorrogação da CPMF até 2011, o PSDB agora recorre a seu fantasma preferido, o terceiro mandato do presidente Lula. A iniciativa pode até não ter nada de aloprada, mas bastará a rejeição pública do presidente, como exigem líderes tucanos, para que o partido, declarando-se "oposição responsável", vote a favor da CPMF "em nome dos altos interesses da Nação".

A sociedade foi convocada a pagar a CPMF em 1994, temporariamente, e com alíquota de 0,25% por um motivo justificável. Ao debelar a hiperinflação com o Plano Real, o governo perdia o imposto inflacionário, seu aliado para cobrir os rombos das contas públicas por mais de uma década. Após dois anos de alíquota inferior, de 0,20% em 1997 e 1998, porém, a contribuição passou a ser mais elevada, chegando a 0,38%, por causa das crises da Ásia e da Rússia e as enormes incertezas sobre a capacidade de solvência do Estado brasileiro. Politicamente, vendeu-se a CPMF como uma fonte de receita para custear as despesas da Saúde. Ocorre que dinheiro não tem carimbo. Em 2006, pelo menos 18% da arrecadação da contribuição foi usada para compor o superávit primário do governo central. Para a Saúde são destinados 40% da receita e não se pode dizer que a situação de hoje seja muito diferente de 1994. As filas e os corredores dos hospitais permanecem um espetáculo deprimente.

As condições macroeconômicas de hoje são excepcionais e comportam uma redução gradual da CPMF. O Estado nunca arrecadou tanto e a CPMF, apesar dos R$ 40 bilhões previstos para 2008, não passa de um dígito do total das receitas da União. Em resumo, estão postas as condições para uma discussão consistente, honesta sobre a redução gradual de um tributo. Gradual, porque hoje a CPMF representa 1,44% do Produto Interno Bruto (PIB), e uma mudança radical, como a extinção pregada pelo Democratas, poderia desarrumar as contas da União e dos Estados. Governo e oposição, no entanto, passam ao largo de uma oportunidade singular.