Título: Elétricas quintuplicam dividendos
Autor: Valenti , Graziella ; Capela ,Maurício
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2007, Empresas, p. B1

As companhias de energia elétrica listadas na Bolsa de Valores de São Paulo mais do que quintuplicaram os dividendos pagos aos acionistas desde o fim do racionamento. De 2002, um ano após a crise, o montante distribuído pelas empresas passou de R$ 1,3 bilhão para R$ 6,6 bilhões, no ano passado. Descontando a estatal Eletrobrás, a evolução é igualmente intensa: de R$ 791 milhões para R$ 6 bilhões.

A receita que fez o bolo crescer tanto é composta por ganhos de faturamento com expansão de consumo de energia e aumento de tarifa, no caso das distribuidoras; forte redução de endividamento líquido; e ausência de grandes projetos de geração no país. Especialistas apontam as dificuldades na obtenção das licenças ambientais pertinentes como uma das razões da baixa quantidade de investimentos. Neste ano, até mesmo a Light, que não pagava dividendos há quase uma década - desde 1998 - anunciou a distribuição de R$ 518 milhões.

Levantamento da Economática, feito a pedido do Valor, mostra que a dívida líquida das companhias passou de R$ 99,7 bilhões para R$ 53,9 bilhões, de 2002 a 2006, considerando todas as companhias. Nesse intervalo, os investimentos ficaram praticamente estáveis na casa de R$ 7 bilhões anuais, a despeito da melhoria nas condições financeiras das empresas e do aumento do consumo - motivado pela recuperação pós-racionamento e pela expansão da economia.

"A principal motivação para esse elevado pagamento foi o fato de a Tractebel não ter identificado oportunidades de investimentos que trouxessem o retorno desejado pelo acionista controlador", explica Manoel Zaroni Torres, presidente da Tractebel Energia, controlada pela franco-belga Suez. De acordo com o estudo, a companhia, que em 2002, não desembolsou um centavo sequer com dividendos, ofereceu aos acionistas R$ 930,2 milhões no ano passado.

Além de contentar os acionistas minoritários, a prática também beneficia os controladores, que ficam com boa parte dos pagamentos. Obrigadas pela Lei das Sociedades por Ações a distribuir 25% do lucro líquido em dividendos, algumas das empresas aumentaram substancialmente essa fatia nesse tempo de sobra de caixa.

No caso da Tractebel, o compromisso assumido é de pagar um mínimo de 55% do lucro aos acionistas. Porém, entre 2003 e 2006, desembolsou 95% dos ganhos. Neste ano, o grupo voltou aos investimentos pesados, já que capitaneia a construção da usina hidrelétrica de Estreito, cuja potência é de 1,087 mil megawatts (MW). O executivo diz que manterá o mesmo percentual de distribuição frente ao lucro - o que, entretanto, não é garantia do mesmo volume. Estreito é um dos maiores projetos hídricos em construção no país.

Fernando Abdalla, analista do Unibanco Research, explica que o cenário macroeconômico auxiliou na recuperação da rentabilidade do setor. A queda do dólar beneficia as geradoras que pagam pela energia de Itaipu em moeda estrangeira. Com mais dinheiro em caixa, mas sem projetos relevantes para aplicar, as companhias optaram por reduzir dívida e ampliar os dividendos.

Para Luiz Fernando Rolla, diretor financeiro da Cemig, a nova regulação do setor de energia no país permitiu que a companhia capturasse clientes também em São Paulo, no Rio de Janeiro e até no Rio Grande do Sul. "Como o preço do megawatt hora encontrava-se em patamar elevado anos atrás, nós oferecemos um valor competitivos e conseguimos ganhar os contratos." Assim, para ele, a melhora na remuneração reflete a evolução do negócio.

Embora resista em falar sobre o comportamento setorial, de forma abrangente, Rolla diz que "de um modo geral, as empresas ficaram reticentes quanto à obtenção das licenças para a viabilização dos projetos de geração de energia e isso ajudou na distribuição maior".

Já para Alexandre Innecco, vice-presidente de finanças da AES Brasil, subsidiária do grupo americano AES, é o perfil da dívida que ajuda os desembolsos. "O nível de endividamento do setor caiu entre 2000 e 2006", conta o executivo. O grupo americano detém 50,01% da holding Brasiliana e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) responde pelos 49,99% restantes. A Brasiliana controla a distribuidora Eletropaulo e a geradora AES Tietê.

Márcio Prado, analista do banco Santander, não vê prejuízo com a decisão das companhias de pagar dividendos, a despeito da expectativa de contínuo aumento da demanda de energia. Ele explica que a capacidade de gerar caixa das empresas é ainda superior ao lucro - base para o dividendo. Além disso, destaca que os projetos que começam a ser executados são de alta alavancagem, ou seja, de 70% a 80% financiado por dívidas.

Quando contratarem dívidas para esses empreendimentos, mesmo que as empresas não reduzam o porcentual do lucro pago, poderá haver queda no montante absoluto. Maiores compromissos financeiros elevam as despesas e, consequentemente, reduzem o lucro - portanto, a remuneração.