Título: Só metade dos aportes em usinas sai do papel
Autor: Scaramuzzo , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2007, Agronegócios, p. B13

Passada a euforia com o boom do etanol, provocada pela expectativa de forte demanda por álcool combustível no mercado internacional, os investimentos em projetos de novas usinas no Brasil começam a ganhar novos contornos.

De um lado, estão os tradicionais grupos do setor, dos quais parte começa a adiar seus projetos por mais um ou dois anos, devido aos baixos preços do açúcar e álcool no mercado internacional. De outro, os novos players, formados por fundos e corporações que decidiram que a agroenergia seria seu novo negócio. Nesse bloco estão a Odebrecht, que pretende investir US$ 5 bilhões no setor, dos quais 60% já estão comprometidos, e a Brenco, do ex-presidente da Petrobras, Phillipe Reichstul, que levantou US$ 2 bilhões e anunciou quatro projetos de usinas de álcool no país. Há ainda um terceiro filão de empresários, com foco em ganhos de curto prazo, que estão abandonando o sonho de ser um usineiro de sucesso, desestimulados pelos baixos preços da commodity.

O Valor obteve a lista de 211 projetos de novas usinas no país, que inclui os mais diversos grupos de investidores. Desse total, cerca de 40 entraram em operação entre 2006 e este ano. Outros 30 vão iniciar a moagem de cana a partir de 2008. Cerca de 60 projetos estão classificados como "em estudo". Isso significa que boa parte deles nem deve sair do papel, sobretudo os que foram anunciados por empresários sem tradição no setor. Entre eles, o piloto de Fórmula Mundial, Bruno Junqueira, e o cantor Zezé di Camargo.

Se todos esses 211 projetos saíssem do papel, os investimentos para erguer essas usinas seriam em torno de US$ 35 bilhões. Efetivamente, o setor está recebendo aportes de US$ 17 bilhões, diz Sérgio Prado, diretor regional da Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar) em Ribeirão Preto (SP).

Com faturamento em torno de R$ 50 bilhões no país, as atuais usinas, cerca de 350 unidades, processam 470 milhões de toneladas de cana, em uma área de 6 milhões de hectares. Para 2012, as projeções indicam safra de 730 milhões de toneladas de cana, ocupando cerca de 9 milhões de hectares. A presença dos grupos estrangeiros no setor no país é de quase 12%, com investimentos diretos e em participação minoritária em usinas.

Entre os tradicionais produtores de açúcar e álcool do país, a decisão de adiar o projeto reflete o baixo retorno dos investimentos por conta da queda dos preços. O ciclo de baixa do açúcar começou em fevereiro de 2006, depois de as cotações terem alcançado o maior valor em 20 anos, e deve perdurar até 2009, de acordo com Jonathan Kingsman, diretor da consultoria inglesa Kingsman.

No Brasil há sete anos, o grupo francês Tereos estuda adiar por mais um ano seu projeto da usina de Cardoso, em Pedrápolis (SP), diz Jacyr Costa, presidente do grupo no Brasil. Segundo ele, o plantio de cana já começou a ser feito e a nova usina deveria entrar em operação em 2010. "Com os atuais preços, não teríamos o retorno de nosso investimento no curto prazo. Vamos decidir na entressafra se tocaremos o projeto ou se adiaremos por um ano." Nos últimos anos, o Tereos foi um dos grupos estrangeiros que mais investiram no país. No mês passado, inaugurou uma usina em Tanabi (SP). Se decidir pelo adiamento do projeto, a cana que foi plantada na região de Pedrápolis será transferida para outras unidades do grupo.

Também com planos ambiciosos, o grupo Equipav analisa se vai acelerar ou puxar o freio em dois novos projetos de usinas, que somam aportes de R$ 1 bilhão. Uma delas deve ser erguida em 2009 em Chapadão do Sul (MS) e outra em Chapadão do Céu (GO), em 2010. "Vamos rever o nosso segundo projeto [o de Goiás], que poderá ser adiado por mais um ano", afirma Newton Soares, diretor da Equipav. Um desses projetos será em parceria com Petrobras e Mitsui. A estatal brasileira prevê 40 projetos de usinas, mas apenas quatro estão listados como em estudo.

"A lógica de mercado tem que prevalecer. Não há retorno do investimento, considerando os preços atuais. As usinas tradicionais podem retardar seus investimentos porque estão familiarizadas com os ciclos de baixa das commodities. O investidor novo não", diz José Carlos de Toledo, presidente da Udop (União dos Produtores de Bioenergia), que reúne as usinas do oeste e noroeste paulista. Toledo é acionista da Equipav.

"Somos capitalizados. Acreditamos que a baixa de preços é só uma fase. Por isso, vamos construir três usinas em Goiás", afirma Pedro Mizutani, vice-presidente da Cosan.

Para os usineiros ouvidos pelo Valor, a desistência dos empresários sem tradição já era esperada. Segundo eles, os projetos foram anunciados em um momento de euforia.