Título: Não deixe as dívidas tirarem o seu sono
Autor: Caprioli, Gabriel; Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 20/01/2011, Economia, p. 17

Alta da taxa básica de juros encarecerá os empréstimos e tende a produzir mais inadimplência ao longo de 2011

A inadimpência continua sendo um pesadelo para os brasileiros. Com renda maior, mais oportunidade de emprego e fácil acesso ao crédito, o consumidor se sentiu seguro para contrair dívidas em 2010 ¿ e agora está com dificuldades para pagar as contas. Dados do Indicador Serasa Experian, divulgados neste mês, mostram que o número de pessoas que não conseguem saldar suas dívidas com o comércio subiu para 6,3% no ano passado ¿ crescimento de 0,4% em relação a 2009. Aparentemente baixa, a expansão não é desprezível, considerado o forte crescimento econômico vivido pelo país.

¿Se compararmos à história do Brasil, 2010 teve um índice baixo, mas em relação ao ano anterior (marcado pela crise), tivemos uma surpresa. Por isso, consideramos alto o percentual de endividados, já que foi um período de prosperidade¿, avaliou o assessor econômico da Serasa, Carlos Henrique de Almeida. Ele lembra que o índice de inadimplência vinha caindo entre o início do ano e o mês de julho. Mas, em agosto, houve uma inversão, já sob o impacto das compras de Natal, o que afetou o balanço dos últimos 12 meses. O encarecimento do crédito em 2011, puxado pelo aumento na taxa básica de juros (Selic) ¿ para 11,25% ao ano, conforme decidido ontem ¿ tende a agravar a situação.

Para Almeida, um dos motivos da elevação dos atrasos é a escolha das formas de pagamento. ¿Geralmente, o consumidor opta pelas maneiras mais caras de financiamento, como cartão de crédito e cheque especial. Assim, ele não tem que passar por análise de renda. Só que ele acaba pagando juros maiores.¿ O economista destaca ainda que o brasileiro tem consumido mais itens de grande valor, como carro e casa, o que também contribui para o aumento da inadimplência.

Nome sujo A carência de educação financeira foi um dos motivos que levaram o consumidor ao vermelho em 2010. A estudante Gabriela Félix Teixeira, 20 anos, é um exemplo. Desempregada, ela deve cerca de R$ 4,5 mil em seus três cartões de crédito, cheque especial e contas de celular. ¿Ainda assim, comprei um netbook de R$ 900 esta semana. É muito fácil adquirir produtos hoje em dia¿, reconheceu. Resultado: Gabriela teve o nome cadastrado no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). ¿Minha avó teve que me emprestar dinheiro para limpar meu nome.¿

Almeida prevê que as dívidas maiores que os rendimentos sejam uma tendência em 2011. ¿O comprador começa o ano mais endividado, por causa dos impostos e das despesas de janeiro e fevereiro.¿ As vendas de Natal, que tiveram aumento de 15% em relação a 2009, mostraram que o brasileiro está mais disposto a consumir. No entanto, ele deve ficar atento. Neste ano, o ritmo do crescimento será menor e a renda não vai ter grandes saltos.

O economista dá uma dica para aqueles que tentam colocar as contas em dia. ¿O melhor é renegociar¿, aconselhou. A seu ver, vale a pena pegar um crédito consignado, que é mais barato (cerca de 2% ao mês), para pagar uma dívida alta. Mas é preciso tomar cuidado. Muitas vezes, a opção por usar uma parte da quantia para outras compras acaba elevando a dívida. Foi o caso do artesão Marcelo França, 44 anos. Para erguer a própria casa, ele parcelou todo o material de construção e utilizou o cheque especial. ¿Fiquei desempregado e não consegui pagar nada. Minha dívida chega a R$ 8 mil. Até quebrei o cartão¿, relatou. A solução foi negociar com o banco. ¿Fiz um acordo e hoje pago aos poucos e com juros menores. Não entro mais nessa furada.¿

Entretanto, dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) dizem o contrário. Em janeiro, segundo a pesquisa de endividamento do consumidor feita pela entidade, a inadimplência caiu 1,4%. Entre os consumidores, 22,1% começaram o mês de janeiro com dívidas ou contas em atraso, ante 23,5% em dezembro. ¿Nossa metodologia é diferente. Trabalhamos com amostragem e abordamos todos os tipos de dívidas¿, esclareceu Bruno Fernandes, economista da CNC.

E EU COM ISSO » Com o país crescendo menos em 2011 do que em 2010, o consumidor endividado deve sentir dificuldades para parcelar suas compras. O salto no índice de inadimplência entre os consumidores brasileiros pode encarecer ainda mais os juros ¿ além da alta da taxa básica (Selic) ¿ cobrados nos financiamentos. Quando o número de pessoas que não conseguem pagar as dívidas aumenta, as financeiras e os bancos exigem um preço elevado como garantia contra eventuais prejuízos.