Título: Multinacionais querem monitorar carros no Brasil
Autor: Borges , André
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2007, Empresas, p. B3

Um grupo de executivos e representantes do governo da África do Sul desembarca nesta semana no Brasil para conhecer detalhes do projeto que pretende implantar chips de identificação em todos os veículos do país. Entre os visitantes está a empresa sul-africana Ipico, companhia que fabrica antenas e etiquetas para rastrear veículos.

A visita, segundo Sinésio Franco Fernandes, diretor da brasileira Enternet - companhia que representa os produtos da Ipico no país -, deverá incluir passagens por ministérios e pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). "A idéia é ver como os projetos daqui e da África do Sul podem ser complementares", diz o executivo.

O encontro é um dos desdobramentos da 2ª Reunião de Cúpula do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (Ibas), ocorrida no mês passado em Pretória, capital sul-africana. Na ocasião, o governo assinou uma carta de cooperação tecnológica com África do Sul e Índia, para trabalhar em um sistema aberto de monitoramento.

Os sul-africanos, porém, não são os únicos interessados no chamado Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos, o Siniav. Segundo Dario Thober, diretor do Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun, de Campinas (SP), ao menos 23 fabricantes já fizeram testes de produtos no laboratório, uma lista que inclui nomes como 3M, Firit, Freescale, Kapsch e NXP Semicondutores. O projeto também é acompanhado de perto por empresas como Q-Free, Texas Instruments e Transcor. Com propostas diferentes, essas empresas têm em comum o fato de serem todas multinacionais. "O interesse é grande. Trata-se do maior projeto desse tipo em todo o mundo", diz Thober.

O cronograma, no entanto, está atrasado. A meta inicial do governo e do Denatran era ter o sistema definido em novembro do ano passado. Dúvidas técnicas, porém, impediram que se chegasse a um consenso. Um ano se passou e muitas definições seguem em aberto. "O projeto evoluiu desde o ano passado, mas não é uma decisão simples", diz Mauro Vincenzo Mazzamati, coordenador geral de planejamento normativo e estratégico do Sistema Nacional de Trânsito. "É bem provável que a decisão só saia no início de 2008."

O Siniav prevê a instalação de uma etiqueta com chip no para-brisa de cada carro. Quando o motorista passar por antenas espalhadas nas ruas, informações do seu veículo serão enviadas para uma central, que saberá, por exemplo, se aquele carro está desrespeitando o rodízio, se está com o IPVA vencido, em alta velocidade, se foi roubado etc. Nos últimos meses, o laboratório Wernher von Braun testou tecnologias para desenhar qual seria a melhor opção para aplicar na frota de 45 milhões de carros do país. Mas segundo Mazzamati, ainda há muita preocupação com a segurança do chip.

Uma das metas é impedir, por exemplo, que um chip seja clonado e, de repente, carros roubados passem a transitar como se fossem veículos em situação regular. "Não estamos atrasados. Até o fim deste mês devemos ter um relatório final", diz o coordenador da Secretaria de desenvolvimento tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia, José Antônio Silvério.

Não importa a tecnologia que venha a ser adotada, Silvério afirma que o governo dará prioridade ao desenvolvimento nacional de sistemas. "O que não queremos é pagar royalties a outras empresas."

O desenho de chips começou a ser rabiscado no Centro de Pesquisas Renato Archer (Cenpra), de Campinas, e o Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), de Porto Alegre. Embora existam questões técnicas em aberto, tudo indica que cada etiqueta custará algo entre US$ 10 e US$ 15. O governo deverá pagar essa conta. Em São Paulo, prefeitura e governo assinaram um convênio no mês passado para que a instalação de chips tenha início em maio de 2008. Uma das metas é reduzir a inadimplência no pagamento de IPVA, licenciamento e multas, que atinge 30% da frota da capital.

Em Brasília, o tema gera polêmica. Um projeto de decreto do deputado Raul Jungmann (PPS-PE) quer derrubar o Siniav, sob alegação de que o sistema gera "um verdadeiro monitoramento de trajetos", facilitando "o acesso, 'passo a passo', dos hábitos e dos lugares freqüentados pelos condutores".