Título: Anatel quer acesso a dados
Autor: Braga, Gustavo Henrique
Fonte: Correio Braziliense, 20/01/2011, Economia, p. 20

Mudanças no acompanhamento de chamadas fixas e móveis abrem polêmica sobre privacidade dos usuários. Agência do governo nega quebra de sigilo e alega melhoria na fiscalização

A proposta de alteração na forma como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) monitora dados dos usuários de telefonia virou alvo de contestações. Especialistas argumentam que o novo modelo em discussão pelo órgão regulador configuraria quebra de sigilo, é ilegal e expõe informações pessoais de forma desnecessária. A agência, no entanto, nega que o acompanhamento, via internet, das chamadas fixas e móveis seja irregular. As acusações tiveram como estopim a publicação, em 31 de dezembro, no Diário Oficial da União, da compra, por R$ 970 mil, de três centrais que serão instaladas nos escritórios de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. As novas instalações se conectarão à base de dados das operadoras móveis de forma a permitir o acesso às ligações.

Em sua defesa, a Anatel argumenta que as alterações propostas no Regulamento de Fiscalização têm por objetivo aperfeiçoar a atividade de acompanhamento das operadoras. ¿Tais alterações foram submetidas a consulta pública, mas ainda estão em apreciação pelo Conselho Diretor da agência¿, justificou a reguladora, ontem, por meio de nota. No modelo atual, a Anatel já tem acesso a essas informações de forma rotineira, enviadas pelas prestadoras mediante solicitação. ¿Sem isso, não seria possível fiscalizar o atendimento das obrigações legais e regulamentares impostas às empresas concessionárias e autorizadas de serviços públicos de telecomunicações¿, reforçou o comunicado oficial.

O temor é o de que a medida resulte em uma flexibilização do sigilo telefônico dos cidadãos, já que, pela Constituição Federal, o acesso a esses dados só poderia ocorrer mediante autorização judicial. A Anatel advertiu, entretanto, que não haverá invasão de privacidade dos usuários porque a fiscalização ocorrerá de forma agregada, em um grande volume de chamadas, sem observar o detalhe de cada uma. Conforme a agência, no caso das reclamações individuais, verificações específicas são feitas com a finalidade de apurar o descumprimento de obrigações por parte das operadoras exclusivamente nas chamadas feitas pelo reclamante e por ele fornecidas na queixa apresentada.

Polêmica Na avaliação de Cristiano Zaroni, analista de telecomunicações da Frost & Sullivan, a proposta de mudança na fiscalização não representa qualquer ofensa ao sigilo de dados dos usuários. ¿Pelo contrário, o novo modelo é até benéfico, na medida em que oferece à agência mais subsídios para tornar a fiscalização eficiente e prevenir cobranças indevidas¿, disse. As novas centrais se conectarão, via internet, às das operadoras móveis. Primeiro, serão cobertas as bases da Vivo, da Claro, da TIM e da Oi, em Minas; Vivo, Claro e TIM, em São Paulo; e as das quatro operadoras no Rio. Nesses locais, o prazo para o início do modelo de monitoramento de ligações é de até seis meses. Haverá um cronograma para os demais estados e, numa etapa seguinte, serão instaladas centrais nas empresas de telefonia fixa.

Zaroni destacou também que as informações pessoais dos usuários de telefonia estão muito bem protegidos, tanto pela Lei Geral das Telecomunicações quanto por regras específicas de cada operadora, e que, na visão dele, as novas mudanças estão de acordo com as normas. ¿Por atuar em regime de concessão pública, as empresas não podem trocar dados sequer entre integrantes do mesmo grupo econômico¿, lembrou.

Em resposta às críticas, a Anatel destacou que a alteração no Regulamento de Fiscalização não faculta à reguladora ou aos seus agentes o acesso às comunicações, ou seja, às conversas e mensagens trocadas entre os usuários, cuja obtenção continua a depender de mandado judicial, nos Termos da Constituição Federal. O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Pessoal e Particular (SinditeleBrasil) não comentou o assunto, sob alegação de que as discussões ainda estão em andamento.

Dificuldade A capacidade de órgãos ligados ao governo de evitar invasão de privacidade dos cidadãos é um tema recorrente. O caso mais recente ocorreu no ano passado, durante a campanha presidencial, quando dados fiscais de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, e da filha do presidenciável José Serra (PSDB-SP), Mônica Serra, foram vazados por funcionários da Receita Federal. Em meio à confusão, os tucanos acusaram o PT de usar funcionários do órgão para obter os dados em busca de informações que pudessem ter utilidade na briga eleitoral. A acusação não foi comprovada.

203 milhões de celulares

O Brasil terminou 2010 com 202,9 milhões de assinantes de serviços de telefonia móvel, com o acréscimo de 5,4 milhões de novos clientes só em dezembro. O balanço, divulgado ontem pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mostra o quanto esse mercado está aquecido e ainda longe da saturação. A base de celulares registrou crescimento de 16,7% sobre 2009 e o país terminou o ano com 104,7 telefones para cada 100 habitantes.

O crescimento absoluto no número de usuários em todo o ano passado ¿ com quase 29 milhões de novas linhas móveis ¿ é o segundo maior da série histórica da Anatel iniciada em 2000, perdendo apenas para 2008, quando ocorreram 29,7 milhões de habilitações. O desempenho do setor em dezembro foi o melhor já registrado para o mês e representou um salto de 28,6% na comparação com igual período de 2009.

A operadora líder Vivo, controlada pela espanhola Telefónica, terminou dezembro com 60,3 milhões de clientes, representando market share (participação de mercado) de 29,7%, com perda de 0,1 ponto percentual ante novembro. A Claro, da mexicana América Móvil, tinha no fim do ano 51,6 milhões de clientes, ou 25,4% do bolo de usuários ¿ abaixo dos 25,6% em novembro. Já a Tim Participações, controlada pela

Telecom Italia, com 51 milhões de clientes, ganhou espaço frente aos rivais, ficando com 25,1% do mercado total em dezembro ¿ acima dos 24,9% em novembro. A Oi, em vias de ter a Portugal Telecom como sócia, adicionou clientes à sua base em número suficiente para permanecer de novembro para dezembro com 19,4% de participação, chegando a 39,3 milhões de assinantes.

As outras três operadoras móveis ¿ CTBC, Secomtel e Unicel ¿ tinham juntas 0,4% do mercado no fim de 2010. Do total de linhas telefônicas móveis em serviço no país, 82,3% são pré-pagas e o restante pós-pagas, conforme informações tabuladas periodicamente pela Anatel.