Título: Plano México ajuda, mas é insuficiente
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2007, Internacional, p. A16

Um polêmico esquema de ajuda americana para que seu vizinho meridional combata as drogas parece útil, porém é menor do que o esperado. A idéia foi originalmente ventilada durante um encontro nas proximidades de Mérida, em março passado, reunindo Felipe Calderón, presidente do México, e George Bush. Meses de negociações culminaram em semanas de vazamentos, principalmente por parte dos americanos. Mas, para um evento tão bem ensaiado, o anúncio veio a público de forma estranhamente discreta. Em 22 de outubro, os dois governos disseram que, num telefonema, os dois presidentes haviam acordado um plano pelo qual os EUA darão ao México US$ 1,4 bilhão, durante os próximos três anos, para combater o narcotráfico.

Patricia Espinosa, ministra de Relações Exteriores do México, disse que o maior montante individual da verba inicial de US$ 500 milhões será gasto em aeronaves - principalmente aviões de transporte, disse ela, embora em Washington o Departamento de Estado falasse em aeronaves de reconhecimento e helicópteros. Haverá também equipamentos de detecção para a fronteira, novos sistemas de comunicações, treinamento e assessoria técnica à polícia mexicana e, inclusive, ajuda no desenvolvimento de um programa de proteção a testemunhas.

E os EUA também darão US$ 50 milhões em ajuda antidrogas a países da América Central.

Autoridades nos dois países dizem que o pacote de ajuda proposto, vinculado a um projeto de lei prevendo verbas suplementares, é uma resposta ao surto de violência desencadeado por disputas entre quadrilhas concorrentes que operam com tráfico de drogas no México. Aconteceram 2.100 assassinatos relacionados com drogas no país em 2006, um número já ultrapassado neste ano. Muitos desses crimes aconteceram em cidades imediatamente ao sul da fronteira. Foram mortos bandidos, policiais, soldados e inocentes casualmente apanhados pela violência.

Ao assumir a Presidência, em dezembro passado, Calderón elegeu "lei e ordem" como principais prioridades, enviando 30 mil soldados e policiais federais para meia dúzia de Estados. Ele autorizou a extradição de diversos líderes de quadrilhas para os EUA.

Se os detalhes do pacote de ajuda são ainda esparsos, isso reflete o caráter politicamente sensível do plano. Legisladores nos dois países queixam-se de não terem sido consultados. Ambos temem qualquer semelhança com o Plano Colômbia, pelo qual os EUA gastaram cerca de US$ 5 bilhões desde 1999. Embora isso tenha ajudado a reduzir a violência na Colômbia, teve impacto relativamente pequeno sobre a produção de drogas. Autoridades mexicanas, sensíveis às preocupações com a soberania de seu país, disseram repetidamente que não aceitarão em seu território assessores - tanto militares americanos como operadores de companhias americanas contratadas pelo Exército americano, ambos presentes na Colômbia.

Na realidade, existem grandes diferenças entre os dois esquemas. Embora tenha sido vendido como um programa antidrogas, o Plano Colômbia é, na realidade, um exercício de contra-insurgência. Não existe, no México, o grande número de guerrilheiros e forças paramilitares que atuam na Colômbia. E a ajuda americana será relativamente pequena. O México planeja gastar US$ 7 bilhões em repressão ao crime nos próximos três anos. Autoridades americanas enfatizam que o pacote é prova da crescente confiança e cooperação entre agências de repressão ao crime nos dois lados da fronteira.

A maior indagação é se a ajuda será eficaz. Alguns analistas mexicanos dizem que o pacote não atacará o cerne do problema: baixa remuneração, organização inadequada e corrupção sistemática nas forças policiais mexicanas. "Eles estão dando muita importância à tecnologia", diz Luis Astorga, da Universidade Nacional Autônoma do México. Autoridades mexicanas já disseram com freqüência que a coisa mais útil que seu vizinho poderia fazer é conter a venda de armas para os traficantes.

Autoridades americanas afirmam que o Plano Colômbia, associado à repressão ordenada por Calderón, está finalmente produzindo um impacto. No mês passado, os americanos publicaram números mostrando que o preço da cocaína subiu, nas ruas dos EUA, ao mesmo tempo em que a pureza decaiu. Mas os que criticam a "guerra às drogas" questionam tanto a metodologia por trás desses números como a interpretação oficial. Eles dizem que a desvalorização do dólar fez com que os traficantes redirecionassem maior volume do produto para a Europa. O consumo também cresceu bastante na América Latina.

Alguns observadores também questionam se ações contra a oferta de drogas são capazes de produzir algum efeito, se a demanda persiste. A "guerra" às drogas teve por efeito a migração do tráfico de um lugar para outro, e não sua interrupção. Assim, as quadrilhas mexicanas eclipsaram suas equivalentes colombianas em termos de poder de fogo e de vigor econômico. Segundo um relatório publicado em agosto pelo Controladoria do Governo, agência Congresso americano (GAO, na sigla em inglês), mais de 90% da cocaína em trânsito para os EUA passam atualmente através do México, em comparação com 66% em 2000. No mesmo período, as apreensões de metanfetaminas na fronteira EUA-México cresceram cinco vezes.

"Êxito em determinado lugar pode implicar mudanças e devastação em outro", diz Joy Olson, da Washington Office on Latin America, uma ONG. "Para que tenhamos 'êxito' no México, precisamos perguntar quem será o próximo a ser devastado." Mas apesar de tais dúvidas, o Congresso dos EUA provavelmente aprovará a ajuda - a menos que seja vítima de um novo clima de redução do déficit.

O Centro Nacional de Informações sobre Drogas do Departamento de Justiça dos EUA estima que, a cada ano, entre US$ 8 bilhões e US$ 23 bilhões em dinheiro obtido da venda de drogas vão para o sul, em grande parte para as quadrilhas no México. Comparado a esses números, o pacote de ajuda parece insignificante.