Título: A macroeconomia do crescimento sustentado
Autor: Oreiro , José Luís ; Curado , Marcelo
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2007, Opinião, p. A18

O atual modelo de política macroeconômica adotado no Brasil é constituído de três pilares básicos: condução da política monetária por intermédio de um regime de metas de inflação; regime de câmbio de flutuação suja, na qual o mercado é o responsável pela definição da taxa de câmbio nominal e as intervenções do Banco Central encontram-se restritas a impedir movimentos especulativos; e, por fim, geração de superávits primários para estabilizar/reduzir a dívida pública como proporção do PIB.

Este modelo tem sido capaz de manter a estabilidade da taxa de inflação. No entanto, tem contribuído para as baixas taxas de crescimento do produto e, com isso, limitado as possibilidades de redução do desemprego e a melhoria efetiva das condições de vida da população.

A combinação de taxa de juros real elevada com moeda valorizada é o cerne de nosso problema macroeconômico. Juros elevados reduzem investimentos produtivos e afetam diretamente a dívida interna. Além disso, atraem capitais especulativos que contribuem para a valorização da moeda.

Por sua vez, a valorização da moeda afeta a economia brasileira de duas formas. Em primeiro lugar, reduz a competitividade e a lucratividade do setor exportador. É preciso lembrar que, apesar do aumento das nossas exportações nos últimos cinco anos, a nossa participação no comércio internacional hoje (1,1% do total) é inferior a verificada em 1985 (1,3% do total). Em outros termos, as exportações brasileiras cresceram menos do que a média do resto do mundo. Dessa forma, a demanda externa perde força como possível fonte de aceleração do crescimento da economia brasileira. Em segundo lugar, o fraco crescimento da demanda externa por produtos brasileiros termina por desestimular as decisões de ampliação de capacidade produtiva das empresas, contribuindo assim para uma reduzida taxa de crescimento do estoque de capital, o que torna insustentável qualquer movimento no sentido de acelerar o crescimento da economia brasileira.

Nesse contexto, cabe a seguinte pergunta: é viável se pensar num modelo macroeconômico alternativo que combine uma aceleração sustentável do crescimento econômico com estabilidade de preços?

A experiência internacional tem demonstrado que sim. Países como China, Índia e Coréia do Sul, por exemplo, têm crescido a taxas muito superiores às brasileiras com estabilidade de preços. A observação destes casos de sucesso tem revelado algumas características comuns que merecem destaque. Em geral, o elevado crescimento econômico encontra-se associado a uma combinação de ampliação da participação do país no comércio internacional com elevadas taxas de investimento como proporção do PIB, caracterizando assim um modelo de desenvolvimento do tipo export-led.

-------------------------------------------------------------------------------- A introdução de um depósito compulsório sem remuneração sobre todas as entradas de capitais seria uma medida possível --------------------------------------------------------------------------------

No que tange à política macroeconômica, naqueles três países há uma clara preocupação em manter a taxa de câmbio real em patamares pró-exportação, ainda que isto signifique num acúmulo significativo de reservas internacionais. Outro ponto em comum é a manutenção de taxas de juros inferiores aos patamares observados na economia brasileira.

A construção de um modelo macroeconômico que tenha como objetivo a promoção do crescimento econômico com estabilidade de preços passa necessariamente por desatar o nó da combinação juros elevados/moeda valorizada que reduzem as possibilidades de expansão da demanda agregada, em particular das exportações (responsáveis pela aceleração do crescimento) e do investimento (responsável pela sua sustentação).

Uma vez garantida a convergência da taxa de inflação brasileira à sua meta de longo prazo, é chegado o momento de reduzir com maior velocidade a taxa de juros básica. Nas condições atuais, a taxa de juros real de equilíbrio da economia brasileira é estimada em 4,5% ao ano, resultado da soma da taxa de juros real prevalacente nos países desenvolvidos (em torno de 2% ao ano) com o prêmio de risco-país (cerca de 150 pontos base) e alguma margem para a incerteza cambial e de conversibilidade (mais ou menos 100 pontos base). No entanto, a taxa real Selic, levando-se em conta as expectativas de inflação para os próximos 12 meses, encontra-se em 7% ao ano. Ou seja, uma diferença de 250 pontos base com respeito ao valor de equilíbrio dessa taxa, num contexto em que a inflação já convergiu para a meta de longo prazo.

A redução da taxa de juros deve contribuir para reduzir a pressão sobre a moeda. No entanto, a atual configuração de liquidez abundante nos mercados internacionais (passado o susto com a crise das hipotecas subprime nos Estados Unidos) tornam esta medida insuficiente. É preciso pensar em incorporar na agenda a questão dos controle de capitais, tal como atualmente fazem países como China e Índia. Para evitar que os controles se tornem ineficazes, os mesmos devem ser aplicados a todas as entradas de capitais no país, mas desenhados de tal forma a desestimular apenas o ingresso de capitais especulativos. Uma medida possível seria a introdução de um depósito compulsório não remunerado sobre todas as entradas de capitais na economia brasileira, a exemplo do que foi adotado no Chile na década de 1990. Esse depósito poderia ser de 30% sobre as entradas de capitais, podendo ser resgatado ao final do prazo de um ano.

Por fim, ainda no que se refere à política cambial, é preciso ampliar os níveis de reservas internacionais, através de intervenções diretas do Banco Central sobre o mercado de câmbio. Com efeito, as reservas internacionais à disposição do Brasil, medidas em proporção da dívida externa de curto prazo, ainda são pequenas na comparação com outros países emergentes como, por exemplo, Coréia e China. Dessa forma, ainda existe um espaço significativo para o BC aumentar as reservas internacionais. A política de compra de reservas internacionais, apoiada pela existência de controles à entrada de capitais especulativos, atuaria no sentido de permitir uma efetiva administração da taxa nominal de câmbio. Dessa forma, o BC poderia atuar com vistas a manter a taxa real de câmbio em patamares competitivos no longo prazo.

A redução da taxa de juros real para níveis próximos dos países emergentes e a desvalorização da moeda doméstica devem acarretar uma aceleração temporária da inflação. Para evitar que essa aceleração da inflação torne-se permanente, deve-se implementar um ajuste fiscal pleno. Tal ajuste deve ser conduzido, no entanto, por intermédio da adoção de uma política fiscal de longo prazo que imponha limites definidos ao crescimento dos gastos de consumo corrente do governo. Uma medida concreta nesse sentido seria limitar o crescimento dos gastos de consumo corrente à meta de variação do IPCA, definida pelo CMN.

José Luís Oreiro é professor do Departamento de Economia da UFPR e Pesquisador do CNPq. E-mail: joreiro@ufpr.br.

Marcelo Luiz Curado é professor do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: mcurado@ufpr.br.