Título: OHL prevê tráfego até 131% acima da estimativa da ANTT
Autor: Rittner, Daniel ; Nakamura , Patrícia
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2007, Empresas, p. B1

A espanhola OHL surpreendeu a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e os concorrentes com suas projeções sobre o fluxo de veículos ao longo dos 25 anos em que pretende administrar as rodovias federais arrematadas em leilão. Ao lado de questões como aproveitamento de sinergias entre os trechos operados e redução da taxa de retorno, esses números ajudam a explicar o baixo valor dos pedágios propostos pela OHL na licitação e que gerou protestos dos demais grupos.

No caso da BR-381, a Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, a OHL fez estimativas de tráfego que superam em até 131% as projeções da ANTT. Essas estimativas permitiram à empresa espanhola oferecer forte deságio no leilão sem comprometer suas previsões de arrecadação com pedágio. Nas propostas comerciais aprovadas pela ANTT - e divulgadas publicamente na segunda-feira -, é possível ver a discrepância entre as projeções.

Fontes do governo envolvidas no processo viram com reservas os números da OHL, mas resolveram não contestar com o argumento de que o risco de não alcança-las é exclusivamente da empresa. No edital de licitação, estão previstas seis hipóteses para reconsideração do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, com revisão de tarifas. Em nenhuma delas há menção a eventuais erros nas projeções. Ou seja, a OHL não poderá pedir para reduzir investimentos ou aumentar a cobrança de pedágio caso as estimativas não se concretizem.

Ontem, a OHL se manifestou publicamente pela primeira vez desde que venceu as licitações. De acordo com Francisco Costa, diretor financeiro da empresa, não existe risco de que os investimentos exigidos para os cinco lotes de rodovias federais sejam muito maiores que o projetado pela companhia. E que as estimativas de tráfego levam em conta o potencial do modal rodoviário no país, apesar do avanço das ferrovias. "Não há riscos de surpresas". Segundo ele, os estudos vinham sendo realizados há pelo menos dois anos. As estimativas da OHL prevêem receita de R$ 275 milhões já em 2008, passando para R$ 574 milhões no ano seguinte. No período 2010-12 esse valor saltaria para R$ 1,8 bilhão e em 2013-32, para R$ 21 bilhões.

Em 2005, a ANTT fez estudos sobre o fluxo de tráfego de cada uma das sete rodovias licitadas. Além de auferir o número de veículos que passavam pelas estradas na ocasião, desenvolveu um modelo para prever o ritmo de aumento do tráfego até o 25º ano de concessão. Esses estudos foram atualizados em 2007, antes do leilão.

Para a Fernão Dias, a agência projeta a passagem de 35,7 milhões de veículos equivalentes, distribuídos pelas oito praças de pedágio da rodovia, logo nos primeiros 12 meses de concessão. A cobrança de pedágio deverá começar em julho de 2008. Pelos cálculos da OHL, o número dos primeiros 12 meses será 84% do que o previsto pela ANTT: 65,7 milhões de veículos equivalentes - conceito que engloba o total de veículos pedagiados, considerando a quantidade de eixos que multiplicam os valores da tarifa.

A diferença entre as duas estimativas sobe gradualmente. Essa discrepância levanta dúvidas sobre as premissas em que se basearam os estudos, gerando números presumivelmente subestimados da ANTT ou superestimados da OHL. "Pode ter acontecido uma das duas coisas, ou até mesmo as duas", afirma o consultor Keiji Kanashiro, ex-secretário-executivo do Ministério dos Transportes. Ele considera improvável, no entanto, que a empresa espanhola, por ter capital aberto e responsabilidade com seus acionistas, tenha exagerado demais nas suas estimativas. "Não acredito que eles sejam aventureiros", pontua Kanashiro.

A diferença entre as projeções ao longo do contrato de concessão não causou tanta estranheza aos técnicos. Isso pode ser atribuído a diversos fatores, como previsões mais ou menos otimistas sobre o desempenho do PIB ou sobre a capacidade de a concessionária bloquear rotas de fuga nas estradas. A ANTT, por exemplo, trabalhou com um cenário de crescimento médio de 4% ao ano da economia. Provocou surpresa, porém, o fato de os números serem tão destoantes logo no ponto de partida para as estimativas: o primeiro ano de concessão.

Para fontes da ANTT, que rejeitam a hipótese do órgão ter subestimado os estudos de fluxo de tráfego, a OHL pode ter inflado esses indicadores para justificar os preços baixos de pedágio. Para eles, o fator decisivo na oferta foram os incentivos fiscais concedidos pelo governo espanhol. Esses incentivos, porém, não são identificados nas propostas comerciais e acabariam sendo justificados com previsões mais otimistas sobre o aumento do tráfego nas rodovias. O fato é que o rendimento da empresa com as concessões rodoviárias não parece ter sido comprometido: a taxa interna de retorno (TIR) está prevista em 8,55% ao ano para a Fernão Dias e em 8,68% para a Régis Bittencourt - apenas um pouco abaixo dos 8,95% estimados pelo governo, caso as concessionários ganhassem com o valor máximo de pedágio.

Em teleconferência, o diretor-geral financeiro da OHL Concesiones (controladora da OHL), Felipe Felipe Ezequerra, disse que não vai se utilizar do benefício fiscal, pois ele só pode ser empregado na aquisição de companhias estrangeiras. É concedido um abatimento no imposto de renda ao longo de vinte anos. "Nossa proposta está baseada exclusivamente nas estimativas de faturamento e tráfego". Ezequerra ainda afirmou que a empresa está buscando empréstimos junto a bancos para os investimentos iniciais (R$ 4,1 bilhões), enquanto aguarda o financiamento do BNDES. A empresa também acredita ser "confortável" um endividamento de até três vezes sua geração de caixa para dar corpo aos investimentos nas rodovias federais e também no processo de privatização em São Paulo.