Título: Descoberta não elimina risco de escassez
Autor: Santos , Chico ; Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2007, Brasil, p. A3

"Que é uma notícia espetacular, não há sombra de dúvida, mas não elimina a necessidade de se administrar o atual período de escassez". Foi como o analista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), resumiu a notícia da descoberta do campo de Tupi, na bacia de Santos, anunciada ontem pelo governo em reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Na entrevista que se seguiu à reunião, a diretora da Área de Gás e Energia da Petrobras, Maria das Graças Foster, minimizou o problema do gás provocado pela redução do fornecimento para o consumo industrial e veicular com o objetivo de garantir o funcionamento de usinas termelétricas. "Não existe esta palavra crise aqui na Petrobras", afirmou.

"Não resolve (a descoberta) a crise do gás. Daqui até 2010 não tem de onde tirar gás", insiste Pires. Ele lembrou que em 2005, quando o governo boliviano mostrou que iria modificar sua política para venda de gás natural, a bacia de Santos, com o campo de Mexilhão, foi dada como a solução para o fim da expansão da oferta de gás boliviano. Depois, em 2006, quando a Petrobras divulgou o seu plano estratégico para o gás (Plangás), o foco estava na área do Espírito Santo. Pires alertou que a descoberta anunciada vai precisar de quatro anos ou mais para se incorporar à oferta de energéticos do país.

"É (a descoberta) como o rio Madeira para o setor elétrico: o futuro promete, mas agora é preciso administrar um período de escassez", comparou o analista. Na opinião de Pires, além de jogar para segundo plano o problema que efetivamente existe (do gás), o governo, ao anunciar a descoberta do reservatório gigante, "matou a nona rodada de licitações" da Agência Nacional do Petróleo (ANP) ao pedira a retirada dos 41 blocos exploratórios que fazem interface com os reservatórios do chamado "pré-sal".

Pensamento semelhante tem outro especialista, o gerente técnico da consultoria Gas Energy, Ricardo Pinto. "Ainda não tivemos tempo de avaliar detidamente essa notícia (da descoberta), mas ela, sem dúvida, tem o aspecto de inverter [na opinião pública] o cenário de crise de abastecimento que a Petrobras está vivendo", disse. Pinto destacou que a descoberta coloca a Petrobras em uma posição "bastante positiva", evidenciada pela alta das ações na Bovespa.

Para minimizar a crise do gás, a Petrobras usa domo argumento seu cronograma de aumento da produção doméstica do produto, previsto no Plano Estratégico 2020. Segundo a empresa, a oferta doméstica vai saltar de 28 milhões de metros cúbicos/dia este ano para 71,1 milhões em 2010 e 70,8 milhões em 2012, para uma demanda de 134 milhões de metros cúbicos. O suprimento restante virá da Bolívia e das importações de gás natural liquefeito (GNL). O crescimento da produção nacional estará concentrado nas bacias de Santos, Campos e do Espírito Santo

A diretora de Gás e Energia da Petrobras, Maria das Graças Foster, justificou ontem o aumento, por ela anunciado, do preço do gás. Segundo ela, a necessidade de se aumentar o insumo em 15% a 25% nos próximos dois anos se deve ao custeio dos investimentos em exploração e produção de gás.

"A cadeia de petróleo e gás, não só no Brasil como no exterior, está sob forte aumento de custos. Entendemos que o gás, hoje, está descolado da variação do preço do petróleo e consideramos devido um aumento do preço do gás em função da necessidade de se investir para buscar gás", disse

O especialista da Gas Energy duvida que as projeções da Petrobras se realizem no tempo previsto. Ele destaca que a oferta doméstica caiu de 27,2 milhões de metros cúbicos para 25,2 milhões de janeiro de 2006 para janeiro deste ano. "Será que ela vai conseguir os 40 milhões (no Sudeste) previstos para 2008? O problema não está no tamanho das reservas, mas no tempo", diz. Ele acrescentou que a alta do petróleo, gerando demanda por equipamentos de exploração e produção, também conspira contra as metas da estatal.