Título: Combate a monopólio divide Cade e Camex
Autor: Juliano Basile ,
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2007, Brasil, p. A3

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça está recomendando a redução de tarifas de importação para aumentar a competição em mercados onde há monopólios, mas a Câmara de Comércio Exterior (Camex) do Ministério do Desenvolvimento não costuma atender às recomendações por entender que as reduções de tarifas envolvem negociações com outros países e a aprovação dos demais integrantes do Mercosul.

As recomendações do Cade se dão em mercados onde a alternativa mais viável - e, em muitas vezes, a única - para promover a competição seria atrair produtos importados. Mas, para a Camex, a negociação comercial com os outros países é mais importante do que proteger a competição interna.

Essa diferença entre os objetivos do Cade (promover a competição) e da Camex (promover o comércio) ficou clara neste ano em que o órgão antitruste recomendou a redução da Tarifa Externa Comum (TEC) em três grandes mercados: cimento para construção civil, chapas de alumínio para a indústria de latas e papel e celulose. A Camex recusou os pedidos nos dois primeiros mercados e no terceiro ainda não houve resposta.

No primeiro caso, o Cade julgou o monopólio da produção de cimento branco no Brasil. O cimento branco é utilizado para fins arquitetônicos e estéticos pela indústria da construção civil. É um produto de luxo nessa indústria. O problema é que só a Camargo Corrêa faz este tipo de cimento no Brasil. A Votorantim encerrou a produção de cimento branco em 2005 e passou a adquiri-lo da Camargo. O contrato de fornecimento entre a Votorantim e a Camargo Corrêa chegou, então, ao Cade para julgamento. O órgão se viu diante de uma situação de monopólio. Como promover a competição?

O relator do processo, conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado, concluiu que a solução seria a redução das tarifas de importação de cimento branco. Ele verificou que essas tarifas não são elevadas, chegando ao máximo de 4%.

Já o conselheiro Abraham Sicsú verificou que as importações de cimento branco aumentaram até 8%, em 2006. Segundo ele, o México, os Estados Unidos e a Bélgica vendem o produto para o Brasil. Mas, no Mercosul, só há fluxo do Brasil para outros países do bloco. Como não há importações de outros países do Mercosul, a redução das tarifas não afetaria as relações com os outros países do bloco e poderia, segundo Sicsú, aumentar a competição no mercado interno.

O caso foi enviado à Camex que negou o pedido do Cade. Segundo as explicações do Ministério do Desenvolvimento, só poderia haver a redução das tarifas se não houvesse produção nacional de cimento branco. "Pelas regras do Mercosul, tal processo somente poderia ocorrer em situações com a inexistência de produção nacional, haja vista que seus efeitos sobre os níveis de proteção para os demais países do bloco", informou a assessoria de imprensa do Mdic, respondendo aos pedidos de informação do Valor.

O ministério considerou também que eventual rebaixamento da TEC de cimento branco "não resguardaria os objetivos almejados pelo Cade de evitar práticas de monopólio na região". E o representante do Ministério das Relações Exteriores disse, durante a reunião da Camex, que a redução seria considerada se fosse um caso de cartel internacional.

Por esses motivos, o Comitê Executivo de Gestão da Camex (Gecex) - composto por diversos ministérios - decidiu pela manutenção da tarifa de importação e, com isso, não aceitou a única recomendação do Cade para reduzir o poder de monopólio neste setor.

Após a decisão no caso do cimento branco, o Cade voltou a pedir a redução de tarifas em outros setores. Em agosto, o órgão antitruste pediu ao Ministério do Desenvolvimento a redução das tarifas de importação de chapas de alumínio dos atuais 12% para zero. O produto é utilizado para a fabricação de latas. Possui consumidores famosos no país, como a Ambev, a Coca-Cola, a Femsa/Kaiser e a Schincariol. Mas tem um único produtor no país, a Novelis.

Os conselheiros julgaram a compra da Novelis pela Hindalco. Como a Hindalco, não atuava no Brasil, a tendência era o Cade aprovar o negócio, pois se tratava apenas da substituição de um controlador da empresa por outro. Mas, novamente veio o dilema sobre como aprovar um negócio num setor onde há monopólio no país. "É incontroverso que a Novelis é monopolista", afirmou o conselheiro Paulo Furquim. "É também a única exportadora." Furquim verificou que os preços de importação de chapas de alumínio são maiores que os de exportação, entre 20% e 63% de diferença. Logo, diminuir a tarifa de importação seria reduzir também a capacidade de a Novelis impor preços ao mercado local.

A proposta de reduzir a TEC para a fabricação de latas foi aceita por unanimidade pelos demais conselheiros do Cade, mas recusada pela Camex. "Em mercados onde há monopólio, a tarifa de importação deveria ser zero", afirmou Luiz Carlos Delorme Prado. "Mas, sabemos que ninguém reduz unilateralmente a tarifa. Isso depende de negociações e o que podemos fazer é sinalizar que as reduções seriam boas do ponto de vista da promoção da concorrência."

A presidente do Cade, Elizabeth Farina, reconheceu, durante o julgamento das chapas de alumínio, que houve poucos exemplos de redução tarifária pela Camex após os alertas do Cade para essa necessidade de aumentar a competição via produtos importados em setores monopolizados. "Em geral, não nos comunicam e nosso pedido não foi aceito no caso do cimento branco", disse Farina.

Por outro lado, o caso do cimento branco foi o primeiro em que a Camex chamou o Cade para as suas reuniões e isso indica uma aproximação. "Pela primeira vez a Camex nos informou que iria analisar isso", disse Farina, também durante o julgamento.

Farina propôs que os órgãos de promoção da concorrência e do comércio exterior tivessem uma agenda em comum. Ela indicou que quem atuará na formulação dessa política será a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda, que faz pareceres para instruir os julgamentos do Cade sobre fusões e aquisições e atua na promoção da concorrência frente aos demais órgãos do governo.

O próximo embate entre o Cade e a Camex se dará num pedido do órgão antitruste para reduzir a Tarifa Externa Comum de papel A4. Segundo o Cade, a TEC deveria baixar dos atuais 16% para zero, com urgência. O problema, neste setor, surgiu com a compra da Ripasa pelos grupos Suzano e Votorantim. As duas maiores empresas do setor compraram a terceira concorrente. Com isso, impediram que um grupo estrangeiro o fizesse, e reduziram a concorrência no mercado local.

O Cade impôs várias restrições às empresas: manter a Ripasa como produtora independente, se abster de contratos de exclusividade com os distribuidores de papel, vender a marca Ripax a um concorrente e deixar a Ripasa aberta a inspeções das autoridades antitruste do governo.

Dentro deste pacote de restrições, a presidente do Cade achou fundamental recomendar ao Ministério de Desenvolvimento a redução da TEC de modo a aumentar a participação das importações no Brasil e, com isso, ampliar a competição. "Ainda que se reconheça que a Camex dificilmente vá adotar e que só podemos recomendar, fica a sugestão e a análise de que este também seria um elemento benéfico num mercado que tende a se comportar com acordos tácitos", justificou Farina.

"O Brasil vai precisar reduzir tarifas daqui para diante e essa oferta de redução de tarifas deve ser posta como prioridade", disse o conselheiro Prado. "Sabemos que é difícil a redução da TEC", completou o conselheiro Sicsú. "Talvez, possamos propor que não seja zero, mas uma redução gradual."

A Camex informou que está aguardando a publicação da decisão do Cade neste caso para discutir a possibilidade de reduzir a tarifa.