Título: Juizados especiais têm procura alta e geram ações contra empresas
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2007, Brasil, p. A4

Mal passou o dia de Cinzas em 2007, a gerente de vendas Paula Rechi e um grupo de amigos começaram a planejar o Carnaval de 2008 . Desde então, o grupo tomou todas as providências para pular e cantar atrás do trio elétrico no circuito Barra-Ondina de Salvador. Paula e seus amigos compraram abadá, garantiram hotel e, já em março, reservaram as passagens aéreas para o feriado mais disputado do ano. Com antecedência de praticamente um ano, garantiram a compra de bilhetes ida e volta da Varig por preços ao redor de R$ 300,00.

Pensaram em todos os detalhes, mas não poderiam prever que em julho um acidente aéreo nas novas pistas do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, revelaria o caos aéreo do setor e acarretaria uma série de medidas. Entre elas, a determinação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) de proibir, desde outubro, os vôos a distâncias acima de 1.000 quilômetros a partir de Congonhas.

Resultado: Paula e seus amigos, que originalmente tinham vôos partindo de Congonhas, tiveram os bilhetes remarcados para Cumbica e em horários totalmente diversos, que comprometeriam a folia. Na última terça-feira, no entanto, conseguiram um acordo que lhes garantiu a troca por bilhetes da TAM em horários muito próximos aos comprados anteriormente da Varig. E sem pagar nenhum adicional por passagens que hoje valem mais de R$ 1 mil. A diferença ficou por conta da Varig.

O processo de Paula e seus amigos foi um em um universo de 1,27 mil atendimentos dos juizados especiais nos aeroportos de Cumbica e Congonhas - volume acumulado em apenas um mês de funcionamento, de 8 de outubro a 8 de novembro. Nem todos os casos têm final feliz como o de Paula, o que promete elevar significativamente o número de demandas contra as empresas aéreas.

Ricardo Chimenti, juiz assessor da corregedoria-geral e responsável por acompanhar os juizados dos aeroportos em São Paulo, diz que durante o último ano, em plena crise aérea, a Justiça do Estado de São Paulo recebeu 640 novos processos contra companhias aéreas. O volume inclui as ações que tramitam nos juizados especiais que atendem às pequenas causas. O número representa uma média de 53 processos ao mês.

"Em apenas quatro semanas de funcionamento, os juizados dos aeroportos já deram origem a cerca de 800 processos judiciais contra companhias aéreas em São Paulo", diz Chimenti. "Trata-se de uma demanda muito grande, o que poderá provocar o funcionamento permanente desses juizados", ressalta. Os juizados atendem reclamações de passageiros que passam inicialmente por uma tentativa de conciliação. Os acordos chegam a atingir 40% dos casos do dia em São Paulo. Caso não haja acordo e o passageiro queira prosseguir com o caso, o processo é encaminhado ao Judiciário

Os juizados dos aeroportos foram criados com a idéia de prestar assistência emergencial aos passageiros e, até agora, a previsão é de que atendam passageiros somente até 31 de janeiro. Chimenti, diz, porém, que a idéia de tornar as estruturas permanentes já começou a ser discutida. "Provavelmente o primeiro passo será prolongar o atendimento dos juizados", diz ele. A decisão passará pela análise do Conselho da Justiça Federal, presidido pelo ministro Gilson Dipp. "Os juizados especiais que atendem às pequenas causas também surgiram como uma estrutura emergencial e tornaram-se permanentes", argumenta Chimenti.

Não é só em São Paulo que a demanda pelos juizados é grande. Rio de Janeiro e Brasília, cujos aeroportos também receberam essa estrutura, apresentaram um elevado número de atendimentos.

Os aeroportos fluminenses Tom Jobim e Santos Dumont receberam em outubro um total de 545 atendimentos, que deram origem a 118 ações judiciais, além de 72 casos em que foram entregues formulários para que os passageiros levem os assuntos ao Judiciário de seu domicílio. Em Brasília, ocorreram, em outubro, cerca de 500 atendimentos, dos quais 215 foram formalizados para serem encaminhados ao Judiciário.

Em São Paulo, dos 1,27 mil atendimentos de Cumbica e Congonhas, 398 casos foram solucionados com acordo. Os juizados estimam que 60% dêem origem a ações judiciais. Parte desses atendimentos, porém, deve dar origem a processos em outros Estados, já que os juizados atendem muitos passageiros em trânsito e a ação judicial deve tramitar no domicílio de quem apresentou a reclamação. Em contrapartida, São Paulo deverá ser o destino de muitos processos judiciais originados de atendimentos nos aeroportos do Rio e Brasília. Nos juizados do Rio e de São Paulo predominam reclamações relacionadas a atrasos e cancelamentos de vôos. Geralmente esses casos incluem também queixas por falta de informação ou falta de assistência.

"Esse elevado número de atendimentos revela que os passageiros guardam insatisfações não resolvidas e que agora estão sendo dirigidas às companhias", diz Chimenti. Para ele, as demandas já começaram a provocar mudanças nas empresas.

Os representantes das companhias aéreas nos juizados costumam ser funcionários da equipe que as empresas mantêm nos aeroportos. Desde o início do mês, porém, a TAM colocou estagiários em Direito para fazer o atendimento dos casos da companhia. Para o aeroporto de Congonhas, por exemplo, foram deslocados estagiários do escritório Machado Meyer, um dos maiores do país. "Eu noto uma preocupação das companhias em qualificar melhor o atendimento no juizado em função do número de casos", analisa Chimenti. "Em reunião recente, um representante da Gol chegou a mencionar que a companhia estuda a instalação de uma ouvidoria para os casos que não tiverem acordo nos juizados", diz o juiz.

A Gol diz que avalia novas medidas preventivas para aumentar o fluxo e a qualidade da informação a seus clientes. As iniciativas, informa a companhia em nota, incluem a criação de " novos canais". A empresa afirma que o número de demandas do juizado está "dentro do estimado" e que está estruturada para atendê-las.

A TAM diz em nota que o "crescimento do número de reclamações é conseqüência natural do desvio do objetivo principal dos juizados". Muitos passageiros, afirma, recorrem aos juizados com reclamações não relacionadas a atrasos e cancelamentos de vôos, bem como à assistência aos passageiros e muitas reclamações referem-se a fatos ocorridos anteriormente à criação dos juizados. A TAM diz que colocou estagiários em Direito à disposição para "garantir a excelência do serviço prestado ao cliente". Eles estão presentes em tempo integral nos aeroportos. "A presença desses profissionais agilizou o atendimento aos passageiros e os procedimentos junto aos Juizados Especiais." Procurada, a Varig não se manifestou.