Título: Prioridade à CPMF adia projeto que regulamenta agências reguladoras
Autor: Lyra , Paulo de T ; Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2007, Política, p. A9

Passada a comoção pela queda do avião da TAM, que matou 199 pessoas em julho, e resolvido o impasse, ainda não a crise, na Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) com a renúncia forçada de Milton Zuanazzi, o projeto de lei das agências reguladoras vai voltar ao limbo. Não que a falta de regras nos respectivos setores de atuação tenha sido resolvida. No auge da crise aérea, entretanto, o projeto ficou em evidência. Mas, por enquanto, o governo só tem olhos para a prorrogação da CPMF. O assunto, se voltar à discussão, só será tratado a partir de janeiro do ano que vem.

Enviado no dia 13 de abril de 2004 ao Congresso Nacional com o intuito de definir claramente o papel das agências reguladoras e do Estado brasileiro, o projeto sempre foi marcado por uma tramitação difícil. Elaborado pela chefe da Casa Civil, ministra Dilma Roussef (à época ainda ministra de Minas e Energia), o texto, em linhas gerais, estabelecia que o Estado (governo) passava a ser o formulador de políticas públicas e às agências cabia a função de fiscalizar a aplicação das normas. O projeto unifica a legislação das agências, já que cada uma, criada em momentos diferentes, tem seu conjunto de normas e diretrizes específicos.

Os partidos de oposição classificaram o projeto de intervencionista e o governo acabou não tendo muito interesse em fazer a proposta avançar no Parlamento. Após sua entrada na Câmara dos Deputados, em regime de urgência, o projeto hibernou em 8 de julho de 2004 e só voltou a ser discutido mais de dois anos depois, em 10 de outubro de 2006. Mais um hiato até nova requisição de desarquivamento da proposição, feita pelo deputado Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) em 7 de fevereiro de 2007. Tudo quieto até que veio o acidente da TAM em 17 de julho.

A tragédia de Congonhas abriu o debate não sobre o papel das agências reguladoras em si, mas da estabilidade ou não de seus diretores. Todos deram palpites. "Não é possível que um presidente, um governador, um prefeito, um parlamentar, possa ser afastado de seu cargo e um diretor de agência, não", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais de uma vez. Embalada pela oportunidade da discussão, a Câmara dos Deputados chegou a criar uma Comissão Geral que trabalhou durante um dia inteiro, com a participação de especialistas do governo, da oposição e dos setores envolvidos no debate.

O projeto restabelece a prerrogativa dos ministérios de elaborar as políticas públicas e de assinar os contratos com as concessionários de serviços públicos, restando às agências regular e fiscalizar as agências. Prevê também regras para a substituição temporária de diretores cujos mandatos expiraram e para cujas vagas o governo demore a indicar nomes. Também está previsto que as reuniões das diretorias das agências passem a ser abertas ao público. Finalmente, estabelece um maior controle externo das agências, com relatórios anuais ao Tribunais de Contas da União e esclarecimentos anuais ao Congresso.

Políticos comentam que, se o projeto fosse de fato votado naquela época, o efeito seria muito pior do que o retorno dele para a gaveta. "O debate, naquele momento, estava muito contaminado. Alterar regras em momentos como esse é algo muito complicado", reconheceu o vice-líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Para o governo, o projeto é muito mais amplo do que simplesmente discutir mandato de diretor de agência. "Toda sociedade moderna precisa de agências reguladoras fortes e eficazes. Em algum momento, vamos ter de retomar esse debate", confirmou o ministro da coordenação política, Walfrido dos Mares Guia.

Mas o foco atual da articulação governista é a tramitação da CPMF no Senado Federal. As articulações políticas estão concentradas até o final de dezembro na prorrogação do imposto do cheque ou em qualquer outro tema correlato, como a regulamentação da emenda 29 da Saúde e o Orçamento da União para 2008. "Infelizmente, há momentos em que o governo funciona como um pronto-socorro. Se você tem alguém com problemas nos dois braços e chega um outro baleado, você tem que escolher qual é a sua prioridade", comparou o líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PTB-PE).

Múcio lembra que o projeto das agências está entre os quase mil projetos à espera de uma decisão do petista Arlindo Chinaglia (PT-SP) para serem de fato apreciados pelo plenário da Casa. "Se você me perguntar se existe previsão de votação ou se há alguma mobilização ou qualquer conversa que seja para a matéria ser apreciada agora, eu te direi que não", completou o petebista.

Essa indefinição incomoda profundamente o vice-líder do governo na Casa, Beto Albuquerque (PSB-RS). Para ele, não há porque esse assunto não estar na Ordem do Dia. Beto critica as pessoas que tentam agir como se as agências não existissem. "Temos zonas de sombreamento perigosas nos diversos setores. As agências precisam de estabilidade, o precedente aberto no caso da Agência Nacional de Aviação Civil é perigosíssimo", diz.

O vice-líder do governo atribuiu à falta de marco regulatório o fracasso do projeto das Parcerias Público Privadas (PPPs) no Brasil. "Enquanto não tivermos uma política de regulação definida, os investidores vão sempre desconfiar das regras do jogo", justificou. Para o vice-líder do DEM na Câmara, José Carlos Aleluia (BA), é até preferível esse descaso do governo. "O projeto deles é um desastre. Deixa como está e vamos esperar entrar um governo que saiba lidar corretamente com o assunto", diz José Carlos Aleluia.