Título: Ousando discordar da ortodoxia dos economistas :: Luiz Antonio de O. Lima
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2007, Opinião, p. A14

Em artigo publicado no jornal "Folha de S. Paulo" ("Ousando dizer seu nome", de 08/08/2007), Alexandre Schwartzman contesta a crítica que fiz à "Teoria da Taxa Natural de Desemprego", também chamada "hipótese aceleracionista da inflação". Segundo tal hipótese, qualquer tentativa de diminuir a taxa de juros visando reduzir a taxa de desemprego e estimular a produção teria como única conseqüência definitiva desestabilizar a economia e aumentar a taxa de inflação. Schwartzman afirma que minha crítica parte de conceitos teóricos errados, e que, portanto, a "Teoria da Taxa Natural" é correta.

A primeira observação a respeito é de que se meu crítico tivesse alguma familiaridade com Karl Popper, um dos mais importantes filósofos da ciência de nosso tempo, não ousaria fazer uma afirmação tão categórica. Popper mostrou, em 1930, que não há uma "prova final" de que uma teoria é correta ou não, mas que podemos dizer apenas que uma teoria se ajusta melhor aos dados que outra, ou que uma teoria foi contrariada pelos dados. Ora, o que fiz quando critiquei a "hipótese aceleracionista" foi realizar um procedimento popperiano, isto é, verificar se os dados estatísticos falsificavam ou não tal hipótese e, em seguida, mostrar que não havia um ponto único capaz de definir inequivocamente o valor da taxa natural de desemprego (conforme Staiger et al, 1997). Não foi apresentada então nenhuma teoria alternativa que pudesse ser considerada certa ou errada.

A implicação decorrente da falta de definição numérica da "taxa natural de desemprego", como observam Cross e Stracham (2001), é que "a relação sobre a taxa efetiva de desemprego e a taxa natural não é particularmente definida". Para os Estados Unidos, em 1994, para um grau de confiabilidade de 95%, em torno de uma estimativa para tal taxa de 5,9% foi estabelecido um intervalo entre 4,3 e 7,3% (Staiger et al, 1997). Segundo aqueles autores, tal imprecisão significa que, se a política monetária "errar" a favor do lado da expansão da economia, como foi o caso americano entre 1995 a 1998, haverá ganhos sustentáveis na produção se a "taxa natural efetiva" estiver no lado esquerdo do intervalo de confiança. Assim, basear uma política de crescimento ou controle da inflação na hipótese da "taxa natural de desemprego" pode ser algo temerário, para não se dizer inadequado.

Da minha crítica à utilização do conceito de "taxa natural de desemprego", Schwartzman infere que eu creio que a "aceleração do crescimento requer mais inflação". Ora, tal afirmação é bastante diferente da constatação de que pode haver crescimento com inflação e que a política monetária, ao reduzir a taxa de juro mesmo que isto venha acompanhado de inflação, pode ter efeitos positivos e definitivos no crescimento econômico, e não apenas precários, no caso de os agentes econômicos serem "enganados" pelo Banco Central. É este o significado da citação mencionada em Cross e Stracham e o que mostra o modelo econométrico de Staiger, Stock e Watson (1997), citado em meu artigo anterior.

-------------------------------------------------------------------------------- A hipótese da "aceleração inflacionária" é pobre para explicar um processo como a inflação em uma economia capitalista --------------------------------------------------------------------------------

Outra restrição apresentada por Schwartzman é de que minha posição decorre de um desconhecimento de toda a literatura empírica sobre crescimento, que jamais achou uma correlação positiva entre as variáveis inflação e crescimento. Tal afirmação, no entanto, é uma meia verdade, pois pelo menos a literatura que eu conheço não estabelece uma correlação necessária e positiva entre estabilidade de preço e crescimento. E, contrariamente a Schwartzman, que não menciona tal literatura em que ele se baseia, a minha afirmação se apóia em trabalho de Robert Barro (1997), "Determinants of Economic Growth", que, a partir de análise estatística, observa que para taxas de inflação abaixo de 20% qualquer relação, positiva ou negativa, entre crescimento e inflação, não é estatisticamente significante. Seria possível, de outro lado, citar trabalhos realizados para o FMI, como os de Sarel (1996) e Gosh e Philips (1998), que verificaram que pode haver associação positiva entre crescimento e inflação, ao contrário do que afirma Schwartzman. Estes últimos autores verificaram que tal correlação pode ser encontrada para os países subdesenvolvidos para valores de até 10% de inflação.

Estas últimas constatações, no entanto, não são importantes para o meu argumento, pois de modo geral jamais afirmaria que é necessário inflacionar para crescer. Meu argumento, distorcido por Schwartzman, é muito simples: apenas observei, e a constatação de Barro acima mencionada o confirma, que não é possível afirmar que o crescimento econômico é sempre incompatível com a inflação e, "contrário sensu", que taxas inflacionárias reduzidas ou nulas são sempre acompanhadas por taxas elevadas de crescimento.

Outro ponto em que volto a insistir é de que a hipótese da "aceleração inflacionária" é muito simples e pobre para explicar um processo tão complexo como a inflação em uma economia capitalista. E isto por uma razão básica: a estabilidade benéfica ao crescimento econômico não se restringe, como na visão ortodoxa, à simples estabilidade de preços e déficits fiscais sustentáveis. O conceito deve incluir abrandamento do ciclo econômico, estabilidade nos preços-chave relativos, déficits sustentáveis em conta corrente e contas (balance sheets) saudáveis dos setores financeiro e produtivo. A experiência da América Latina tem mostrado que "simples taxas reduzidas de inflação e déficits fiscais sob controle não tem gerado crescimento econômico rápido". (Ocampo, 2002)

Por apontar a simplicidade, senão o simplismo, da sua visão teórica, o meu crítico infere que, para mim, uma teoria boa será uma teoria complexa, o que em última instância significa que a melhor teoria seria aquela que repetisse ponto por ponto a realidade, ou seja, seria a própria realidade. Na verdade, nenhuma teoria pode ser assim, mas não deve ser tão simples que dissolva a realidade a ser explicada. Uma teoria pode ser comparada a um mapa: por exemplo, um motorista que quer se orientar em uma cidade como São Paulo, necessita somente uma indicação das suas principais vias e confluências, jamais precisaria de uma reprodução ponto a ponto dessa cidade, mesmo porque tal reprodução não caberia no porta-luvas de seu carro. Um cosmólogo interessado em estudar as galáxias precisa de uma teoria (ou um mapa) com um grau de especificação talvez menor do que um químico que analisa a estrutura atômica de um material. Cada teoria tem um grau particular de idealização. A teoria econômica ortodoxa apresenta, a meu ver, uma idealização inadequada pois, para repetir Axel Leijonhufwud, "ela supõe agentes extremamente argutos e sapientes se movendo em um mundo extremamente simples".

Em conclusão, o fato de me dar o nome de "desenvolvimentista", como fez o autor da crítica, é irrelevante para a discussão, porém é relevante não distorcer o argumento do oponente. A interpretação correta dos argumentos contrários é a condição de um debate racional e civilizado.

Luiz Antonio de Oliveira Lima é professor de economia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV). Suas opiniões não correspondem necessariamente às dessa instituição.