Título: BRA sai de cena e crise do setor aéreo continua
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Fonte: Valor Econômico, 12/11/2007, Opinião, p. A14

A história do caos aéreo ganhou mais um capítulo dramático na semana passada com a quebra da BRA. Mesmo respondendo por apenas 4,6% do mercado doméstico, a companhia já era a terceira no transporte de passageiros. Mais do que isso, representava uma aposta, inclusive de investidores estrangeiros graúdos, no aumento da competição no setor, que passou a ser dominado pelo duopólio TAM-Gol.

Juntas, as duas maiores empresas aéreas do país controlam 87,2% do mercado. A fatia cresce mais um pouco - para 89,7% - quando se inclui a participação da Varig, empresa que hoje pertence à Gol. A BRA, originária de uma empresa de turismo, planejava crescer justamente em cima das deficiências do duopólio, explorando vôos de curta distância, a custos menores.

A companhia chamou a atenção de um grupo de investidores, entre eles o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Em dezembro do ano passado, o grupo comprou 20% da BRA, injetando R$ 180 milhões no negócio. Poucos meses depois, a empresa anunciou uma encomenda de 20 jatos E-190 à Embraer e de outros 20 como opções, delineando, assim, sua estratégia. Num segundo momento, a idéia era abrir o capital e, assim, financiar a expansão. O plano fazia sentido. Os jatos da Embraer são menores que os da Boeing e da Airbus. Eles carregam menos passageiros, mas pousam praticamente em todos os aeroportos nacionais.

A estabilização da economia, com a conseqüente redução dos custos de crédito, e o aumento da renda da população provocaram um forte crescimento na demanda da aviação comercial. Desde 2004, as taxas anuais de expansão têm sido robustas, tendo superado 20% em 2005. Em 2007, até setembro, mesmo com o caos nos aeroportos, a demanda cresceu 10,1%.

Diante dessas taxas, a oportunidade para o surgimento de novos players tornou-se evidente. O investimento na BRA se mostrou, no entanto, uma aposta arriscada demais. O próprio Armínio Fraga dizia que se tratava de uma aposta de "alto risco e alto retorno". A realidade mostrou que, nesse caso, apenas a primeira parte do raciocínio mostrou-se verdadeira.

Os investidores esperavam profissionalizar a gestão da BRA, mas o fundador da empresa, Humberto Folegatti, resistiu o quanto pôde. Ele deixou o comando da companhia poucos dias antes do anúncio da paralisação de suas atividades. Cerca de 70 mil consumidores, que já tinham comprado passagens, ficaram com um verdadeiro "mico" nas mãos.

O fechamento da BRA é um capítulo à parte, revelador da verdadeira anarquia que reina no comando da aviação civil no país. Conforme revelou o Valor na edição do último dia 31, antes de deixar o comando da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi foi alertado por dois pareceres técnicos de que a BRA vinha negligenciando a manutenção de seus aviões, enfrentando problemas financeiros e descuidando-se do atendimento de passageiros. Os técnicos recomendaram a imediata suspensão dos vôos e da venda de passagens, mas Zuanazzi preferiu ignorar as advertências.

A situação da Anac é peculiar. Decidido a reformular a agência, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, operou nos bastidores para que toda a diretoria, além de Zuanazzi, pedisse demissão. Isso aconteceu, mas, hoje, a agência está acéfala. Apenas um diretor foi empossado - o brigadeiro Allemander Jesus Pereira Filho. Outros dois foram sabatinados pelo Senado e nomeados pelo presidente Lula, mas ainda não tomaram posse. A economista Solange Vieira, que Jobim quer colocar na presidência, ainda sequer teve o nome indicado oficialmente para o cargo.

Numa demonstração de que ainda não tem um plano claro para o setor, Jobim decidiu, na quinta-feira, recuar de medidas adotadas há menos de dois meses e que visavam desafogar Congonhas, onde aconteceu a tragédia da TAM, com 199 mortos. A justificativa é o início da alta temporada, mas já se sabe que houve pressão política - o governador Jacques Wagner (PT) vinha se queixando da redução de vôos para a Bahia - e das empresas, que continuam usando Congonhas, um aeroporto regional, como centro de suas operações.