Título: Aposentadoria variável
Autor: Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2007, EU & Investimento, p. D1

De julho a outubro, os planos de previdência aberta conservadores - renda fixa e DI - perderam quase R$ 700 milhões por terem sofrido mais saques do que depósitos. São agora os fundos de previdência mais agressivos - balanceados e multimercados - que dão o tom das captações no setor. Também desde julho, R$ 4,4 bilhões aportaram nessas carteiras. A reversão do saldo de captações dos planos conservadores, de positivo para negativo, e a forte demanda pelos mais agressivos indica que há transferência de recursos em direção aos planos com ações.

Segundo executivos do setor, ainda são raros os participantes que sacam aplicações da previdência para colocar o dinheiro no bolso. Eles afirmam que os resgates líquidos dos planos conservadores não significam retiradas, mas transferências. "Já está em curso uma migração de investidores dos planos mais conservadores para os mais agressivos", diz Sandro Bonfim da Costa, gerente de desenvolvimento de produtos da Brasilprev. Além disso, na seguradora, 61% dos novos depósitos dos participantes de alta renda têm destino nos planos com ações. Do total aplicado, um terço dos recursos em Plano Gerador de Benefícios Livre (PGBL) ou Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL) da Brasilprev está aplicado atualmente em planos com renda variável.

A migração é motivada principalmente pelo ganho recente dos fundos com ações e pelo encolhimento do retorno dos planos conservadores. A alta de 66% do índice Bovespa (Ibovespa) nos 12 meses encerrados em outubro levou os planos balanceados e multimercados a renderem, respectivamente, 19,65% e 26,15% no período. Enquanto isso, os planos de renda fixa e DI subiram, pela ordem, 11,98% e 10,01% em 12 meses.

O mercado de previdência privada aberta, o mundo dos PGBLs e VGBLs, continua a crescer em proporções vistosas no país, sem qualquer outro paralelo no mercado financeiro. Neste ano, até outubro, houve um incremento de R$ 8,89 bilhões em depósitos nos fundos do setor, segundo dados do site Fortuna. Essa quantia é mais do que 10% do patrimônio atual do setor, de R$ 87 milhões, segundo a consultoria. A despeito desse crescimento, porém, ocorre essa situação inédita ou impensável há alguns meses, de saques nos planos conservadores e depósitos intensos nos agressivos. Os fundos de renda fixa e DI compõem mais de 90% do mercado e costumavam ser destino certo de cada centavo aplicado em PGBL ou VGBL até há dois anos.

Atualmente, as seguradoras vêem essa corrida para aplicações em carteiras com mais risco. Os planos de previdência com ações, porém, não são tão agressivos quanto os fundos de investimento. Segundo regra da Superintendência de Seguros Privados (Susep), o limite do patrimônio que planos de previdência podem aplicar em ações é de até 49%.

O ganho de espaço dos planos agressivos ante os mais conservadores é um caminho sem volta, avalia Luciano Snel, diretor de produtos da Icatu Hartford. "Com a taxa de juro em níveis menores - atualmente a Selic está em 11,25% ao ano -, as pessoas percebem que têm de buscar outras alternativas para lucrar mais." Em uma eventual crise de curto prazo, pode haver alguma desaceleração nesse ritmo de crescimento maior dos planos agressivos, mas seria apenas um soluço, prevê Snel. "Se não houver nenhuma mudança estrutural que acabe com as perspectivas futuras atuais, essa situação não mudará."

A tendência de migração para a renda variável também é percebida entre os fundos de investimento destinados aos investidores de varejo, comenta Marcelo D'Agosto, sócio do Fortuna. De acordo com relatório da consultoria, os fundos de ações oferecidos pelos bancos de varejo receberam R$ 11,3 bilhões em captação líquida neste ano, até outubro, e os planos de previdência com bolsa receberam depósitos de R$ 7,8 bilhões.

Evidências indicam que o esforço de popularização dos fundos de ações feito pelos bancos de varejo ao longo dos últimos meses beneficiou, também, os planos de previdência com ações, diz o relatório mensal do Fortuna. "As seguradoras mais atentas a essa evolução recente do mercado conseguiram tirar um melhor proveito dessa mudança de tendência da preferência dos investidores, adaptando e criando novos produtos para atender a uma demanda crescente por aplicações de maior risco."

O mercado de previdência passa também a oferecer PGBLs e VGBLs com ações cada vez mais sofisticados. Nos últimos meses, seguradoras passaram a distribuir produtos que regulam a parcela de ações automaticamente conforme o tempo passa, para os mais idosos ficarem mais conservadores; fundos com ações que pagam bons dividendos; planos com alguma relação com sustentabilidade; entre outros novos modelos disponíveis.

Das migrações entre carteiras dentro da própria Icatu neste ano, mais de 80% delas tiveram destino em carteiras mais agressivas que aquelas de origem. Segundo Snel, os planos mais procurados ainda são aqueles com uma parcela menor de ações, com 10%, 20% apenas. "Eles começam com um pequeno percentual em ações para se acostumar."

A migração para planos com renda variável, porém, torna mais incerta a expectativa de retorno na aposentadoria, principalmente se o participante mira a renda mensal vitalícia. Em um plano puro de renda fixa, o participante normalmente estima uma taxa de retorno ao ano e projeta quanto investir mensalmente para ter a renda pretendida. Todas as seguradoras oferecem essa simulação. No entanto, com ações em carteira, fica mais difícil ainda acertar essa previsão de retorno anual.

Snel, da Icatu, acha que um dos motivos para a recente migração dos participantes para a renda variável seria a revisão dessas projeções de renda futura, com juros mais baixos na renda fixa. Com o retorno menor da taxa de juro, os aplicadores teriam de regular para cima o volume aplicado periodicamente para acertar na renda que desejam no futuro.

"Mas, conforme a taxa de juro cai, os investidores podem perceber também que seria necessário arriscar mais para tentar preservar o ganho alto." Nesse sentido, os participantes de planos de previdência devem ter em mente que, não apenas a previsibilidade cai, como a oscilação e o risco aumentam.