Título: Corrida da África: a China sai na frente
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2007, Brasil, p. A2

O governo brasileiro quer atrair os Estados Unidos para sua política estratégica na África. A idéia, já tratada em conversas preliminares entre o chanceler Celso Amorim e a secretária de Estado, Condoleezza Rice, é unir a diplomacia brasileira com os dólares americanos para enfrentar um "inimigo" comum naquele continente: a China.

O Brasil de Lula, como se sabe, quer conquistar a África antes que alguém o faça. Mas, faltam-lhe, como dizem diplomatas experimentados, recursos de poder. À China não falta nada. Segundo levantamento do Deutsche Bank, 650 empresas estatais chinesas investem na África, especialmente em setores como telecomunicações e petróleo, além de outras commodities.

Em 2005, os chineses tinham US$ 1,6 bilhão investidos no continente africano. Recentemente, em apenas uma operação - um investimento de US$ 2,3 bilhões da China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) em exploração de gás e petróleo na Nigéria - esse valor mais do que dobrou. Um ministro da comitiva do presidente Lula que esteve na África há três semanas ficou impressionado com a quantidade de chineses que viu trabalhando em Luanda, capital de Angola. Como se vê, em sua política externa pragmática, a China faz pacote completo. Entra com capital e trabalho.

O Itamaraty quer usar a corrida do etanol para atrair os americanos. Um pedaço grande da África, por causa do clima, está no mapa mundial da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar. No projeto Brasil-EUA, os brasileiros entrariam com a tecnologia e os americanos, com o financiamento.

De um modo geral, as investidas do governo brasileiro na África resultam frustrantes, apesar dos resultados positivos obtidos aqui e ali por duas de nossas multinacionais - a Odebrecht em Angola e a Vale do Rio Doce, em Moçambique. Presente há décadas na África, a Odebrecht planeja abrir uma rede de supermercados em Luanda, aproveitando-se da ausência de investidores nesse setor - aliás, na recente visita àquela capital, Lula reclamou da ausência do Banco do Brasil no país.

Carentes de tudo, os africanos demandam menos diplomacia e mais ação (leia-se: investimento, dinheiro, ajuda direta e efetiva). Quando esteve em Maputo pela primeira vez, em novembro de 2003, Lula doou 100 kits de combate à aids, uma chaga que vitima cerca de 14% da população de Moçambique, cerca de 2 milhões de habitantes. Embora demonstrando publicamente gratidão pelo gesto, o então presidente do país, Joaquim Chissano, numa conversa com jornalistas brasileiros, desdenhou do tamanho da ajuda. "É muito pouco", confessou Chissano, tal qual um mendigo que se sente humilhado por receber esmola tão insignificante.

É esse o dilema da atual política externa brasileira. Ela é demasiadamente ambiciosa para os recursos de poder de que dispõe. Na falta desses recursos, mas investida de grandiloqüência, gera frustrações. Esses efeitos não dizem respeito apenas a países amigos da África, mas também aos da América do Sul.

Limitada ao terreno das boas intenções, quando tanto, a diplomacia atual é pura retórica ou gesticulação. A tentativa de engajar os americanos no esforço africano é o reconhecimento de que, sem recursos, não se vai a lugar algum. Difícil será convencê-los a embarcar na empreitada - na diplomacia dos EUA, sobram recursos de poder e, em geral, falta sensatez.

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BC prepara especialistas internacionais

Preocupado com o grau de sofisticação e integração dos mercados financeiros, a diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) planeja enviar técnicos da instituição para passar temporadas de seis a nove meses em bancos centrais de outros países. O objetivo é qualificar o pessoal do BC, criando especialistas, por exemplo, em economias de países importantes no cenário mundial.

"Estamos bem organizados para discutir o nosso balanço de pagamentos, mas, por exemplo, uma boa análise da economia americana a gente não faz aqui. Recebemos de fora", reconhece o diretor da área, Paulo Vieira de Cunha.

A iniciativa merece aplausos. Assim como o Itamaraty, o BC é uma ilha de excelência no serviço público brasileiro. Com a inserção cada vez maior do país na economia internacional, a instituição precisa de técnicos antenados com o que acontece lá fora e preparados para antecipar e analisar movimentos nos mercados. "No departamento internacional, a gente sempre vendeu Brasil. Agora, há outros desafios", observa Vieira da Cunha, que, alegando motivos pessoais, infelizmente deixará a diretoria do BC em janeiro.

A profissionalização dos quadros da instituição é freqüente. Em 1999, quando o Brasil adotou o regime de metas de inflação, o BC constatou que precisava de um departamento de pesquisa econômica mais forte. E assim o fez.

Resseguros: porta aberta aos estrangeiros

A exigência de capital mínimo de US$ 100 milhões para a instalação, no Brasil, de companhias de resseguro não é um obstáculo à atração de estrangeiros para esse setor. A avaliação é do secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Joaquim Levy. Interessado em trazer resseguradoras para o Rio, numa disputa saudável que vem travando com São Paulo, Levy conversou com ex-colegas de Ministério da Fazenda e concluiu que, na verdade, a exigência de capital mínimo diz respeito apenas ao capital da companhia na matriz.

"Estou otimista quanto a essa interpretação da lei e da regulamentação sugerida pela Susep", diz o secretário. Há duas semanas, o presidente do Lloyd's of London, Peter Lavene, criticou as regras propostas pela Susep e avisou que elas atrasariam o desembarque de sua empresa no Brasil. A lei complementar, na visão de Levy, exige apenas que, para atuar no país, a companhia resseguradora abra uma conta-corrente.

Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.

cristiano.romero@valor.com.br