Título: Indexação de tarifas alimenta inércia e eleva custo da política monetária
Autor: Sergio Lamucci, Raquel Landim e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2005, Brasil, p. A5

A inércia inflacionária voltou ao centro do debate sobre o comportamento dos preços no Brasil, num momento em que o Banco Central (BC) e a política de juros altos enfrentam críticas severas. Mais de dez anos após a implementação do real, ainda há fatores importantes na economia que fazem a inflação passada alimentar a inflação futura. Aumentar os custos da política monetária é um dos grandes inconvenientes da inércia, o que se torna ainda mais delicado se as metas de inflação são ambiciosas. Os analistas são unânimes em apontar a indexação de contratos importantes - energia elétrica e telecomunicações, por exemplo - ao índice geral de preços (IGP) como o principal fator que explica a inércia elevada. O professor da Universidade de São Paulo (USP) Heron do Carmo lamenta a correção pelos IGPs, porque isso acaba contaminando a inflação futura com elevações passadas de preços. Para ele, o ideal seria criar e usar índices específicos, que reflitam os custos de cada setor. Enquanto esses índices não são criados, a alta dos IGPs alimenta a inércia, dificultando a tarefa do BC de reduzir o IPCA de 7,6% em 2004 para 5,1% neste ano. Em 2004, os IGPs subiram mais de 12%. Mas há outros fatores que contribuem para a inércia. A correção dos salários por índices passados e não pela inflação esperada, por exemplo, é uma possível fonte de persistência, dizem analistas. Em 2004, algumas categorias conseguiram reajustes acima da inflação. A questão é que, no Brasil, apenas as categorias mais organizadas costumam obter ganhos reais. O economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembra que 2002 e 2003 foram anos ruins para o trabalhador e 2004 também não foi dos melhores. O desemprego caiu e a massa salarial aumentou, mas o rendimento real médio fechou em queda. Nesse cenário, os salários têm hoje papel modesto na inércia, avalia ele. O economista-chefe do Credit Suisse First Boston (CSFB), Nílson Teixeira, também vê na indexação de contratos uma das principais causas para a inércia, mas aponta outro fator importante: a persistência de uma memória inflacionária no Brasil, resultado do longo período em que o país conviveu com inflação muito alta. Para o economista-chefe do ABN Amro, Mário Mesquita, os rumores sobre eventuais mudanças na orientação do BC também podem contribuir para a inércia, porque ainda haveria incertezas quanto ao compromisso de longo prazo da autoridade monetária com o combate à inflação. Uma das piores conseqüências do fenômeno é aumentar o custo da política monetária. Para se obter um mesmo nível de inflação, é necessário um juro real mais elevado do que se a inércia fosse menor, afirma Mesquita. A questão do momento é saber se vale a pena manter os juros elevadíssimos para tentar quebrá-la. Em setembro do ano passado, o BC admitiu que o comportamento dos preços em 2004 legaria inércia de 0,9 ponto percentual para o IPCA deste ano, dos quais 0,3 ponto seria combatido e o restante 0,6 ponto, acomodado. Com isso, a meta para 2005 foi elevada de 4,5% para 5,1%. Esse número, porém, ainda é considerado baixo. Para Heron e Gomes Filho, o BC deve aceitar uma velocidade mais lenta de recuo dos índices de preços. Com isso, o custo fiscal e de atividade econômica seria menor, afirma ele Gomes Filho. Como há deficiências na formação de preços no país - como a questão da indexação aos IGPs -, o BC poderia aceitar um IPCA na casa de 5,5% a 6%, ainda assim um número bem abaixo dos 7,6% de 2004. Já Teixeira diz que vale a pena tentar romper a inércia e trazer a inflação para a meta de 5,1%. O economista avalia que o impacto de um aperto monetário mais forte sobre o crescimento no curto prazo tende a ser mais do que compensado nos próximos anos. O ganho viria na forma de inflação mais baixa e expansão mais forte da economia. Se quebrada a inércia, os agentes econômicos tenderiam a acreditar que os índices de preços não precisam ficar na casa de 6% a 7% ao ano, mas podem rodar bem abaixo disso, avalia ele. A inflação mais baixa aumentaria a previsibilidade na economia. (SL)