Título: Melhora na renda só abre espaço a leves reajustes
Autor: Sergio Lamucci, Raquel Landim e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2005, Brasil, p. A5

A melhora do mercado de trabalho pelo segundo ano seguido deve abrir espaço para reajustes moderados de preços nos setores de alimentos, bebidas, roupas, calçados e serviços, mais sensíveis à recuperação do emprego e da renda. Esses reajustes, porém, deverão ter impacto modesto sobre os índices de inflação, segundo analistas como o professor da USP Heron do Carmo, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon). A expectativa é de que a melhora no mercado de trabalho não cause surpresas negativas no front inflacionário, pois a recuperação da renda ainda é incipiente, as empresas tiveram ganhos de produtividade razoáveis e são justamente os setores de bens semi e não duráveis - vestuário, calçados, bebidas e alimentos - que têm maior capacidade ociosa. Além disso, empresários desses segmentos relatam apenas pressões de custos pontuais, como embalagens ou algum tipo de matéria-prima derivada das commodities metálicas ou do petróleo. Foto: Magdalena Gutierrez/Valor

Carvalho, da Green: reajustes foram feitos de forma escalonada, o que sacrificou pouco as margens de lucro da confecção de roupas infantis

É o caso da Paramount Têxteis. Carlos Caramelo, diretor-superintendente da empresa, explica que a pressão de custos está restrita ao acrílico, uma das matérias-primas utilizadas ao lado de lã e algodão. "É um item pontual. Não existe uma pressão generalizada", diz. O acrílico é feito de acrilonetrila, derivada do petróleo. A tonelada da acrilonetrila saltou de US$ 850 para US$ 1,3 mil em 12 meses, alta de 52%. A Paramount elevou os preços dos fios de acrílico em 8%. Élcio Jacometti, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), relata que a pressão é maior para as empresas que fabricam sapatos à base de borracha. Para quem utiliza o couro, a situação é mais tranqüila "As vendas foram boas no fim do ano, mas isso não significa que será fácil repassar aumentos." Para a Azaléia, a pressão ficou concentrada no aumento de preços dos insumos petroquímicos, alta dos custos de energia elétrica e elevação dos impostos. "Isso para o mercado doméstico. Para as exportações, pesou também a desvalorização do dólar", diz Paulo Santana, diretor de marketing. Nos últimos 12 meses, a empresa reajustou em 10% os preços dos produtos em dólar . Internamente, o repasse não ultrapassou os 7%. Para Santana, a demanda não está muito aquecida, o que impediu uma maior recomposição de margem de lucro. "Repassamos apenas uma parte do aumento dos insumos, abaixo até mesmo da inflação no período." O professor Heron do Carmo observa porém que os preços de serviços e de bens semi e não duráveis, que tiveram um comportamento dos mais tranqüilos nos últimos meses, darão contribuição menos favorável para a inflação daqui para a frente, mas não a ponto de representar uma grande ameaça. O item alimentos e bebidas subiu apenas 3,86% no ano passado, segundo a inflação medida pelo índice de preços ao consumidor ampliado (IPCA), que teve variação de 7,6%. Heron lembra que os preços de serviços e semi duráveis é que reagem mais diretamente ao comportamento da renda. Já as cotações de boa parte de não duráveis, como alimentos, são definidas pelo comportamento da oferta, e não da demanda. "E a oferta deve aumentar em 2005." Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, relata que o preço da saca de 50 quilos da farinha de trigo despencou, passando de R$ 53 em março de 2004 para R$ 38 hoje por conta da queda do trigo no exterior. O trigo representa 70% do custo de produção. "Não é a cadeia de alimentos que vai pressionar a inflação", diz ele. "Isso se o câmbio se mantiver onde está. Se o dólar se desvalorizar, o repasse para o trigo é imediato". Boa parte do trigo consumido no Brasil é importado da Argentina. A Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR), dona da marca Itambé, projeta reajustar seus preços 8%, em média, em 2005, após alta de 9% em 2004. Jacques Gontijo, vice-presidente, explica que a concorrência está menos acirrada no mercado de lácteos por conta da perda de participação da Parmalat, que enfrenta grave crise financeira. Segundo o executivo, a maior pressão para a empresa veio das embalagens por conta do aumento do aço. "Mas isso será diluído, pois as embalagens representam apenas 10% do custo", diz. O professor Fernando Sarti, da Unicamp, também não vê grandes problemas no crescimento da renda e seu impacto sobre a inflação. Ele diz que podem aparecer pressões isoladas, mas não acredita em nada generalizado. "E acho que no momento não é necessário ter medo da inflação, mas sim de o país não crescer." O economista-chefe do ABN AMRO, Mário Mesquita, lembra que a recuperação da renda é incipiente. Em 2004, por exemplo, o emprego aumentou, mas o rendimento real médio caiu 0,8% em relação a 2003. O economista-chefe do Credit Suisse First Boston (CSFB), Nílson Teixeira, ressalta que as empresas de bens semi e não duráveis têm elevada capacidade ociosa, o que deve manter baixo o risco de pressões inflacionárias pelo canal de demanda. Teixeira diz ainda que, num cenário de retomada da economia, os ganhos de produtividade tendem a compensar eventuais aumentos de custos provocados por reajustes salariais. Para driblar a alta de 15% nos custos em 2004, a fabricante de roupas infantis Green utilizou duas estratégias: repasse de preços e aumento da capacidade de produção. Pagando horas extras, a Green aumentou em 10% as vendas em 2004. Antônio Bruno de Carvalho, diretor comercial, explica que os reajustes foram feitos de forma escalonada, o que sacrificou pouco as margens.